Chefs famosos acabam elitizando ingredientes e não valorizam origem
De um tempo para cá, os itens regionais foram enaltecidos, mas isso foi positivo?
atualizado
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Na década de 1990, o chef Claude Troisgros fez um comentário, não exatamente com essas palavras, com o seguido sentido: que é mais fácil encontrar no mercado ingredientes de cozinha tipicamente italiana do que os verdadeiramente brasileiros. Ele estava certo. Quem tem mais de 30 anos lembra o martírio que era encontrar qualquer hortifruti nos mercados. Fora de suas regiões originais, claro.
Claude e Carla Pernambuco foram os pioneiros no movimento e começaram a utilizar ingredientes brasileiros em seus restaurantes, usando, predominantemente, a técnica clássica francesa. Foi um sucesso, mas não passou de um hit local, no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, sem expandir para todo o país.
Os programas de televisão apresentados por chefs se popularizaram e começaram a surgir estrelas com milhares de seguidores nas redes sociais. Nomes, como Alex Atala, Helena Rizzo, Felipe Bronze e o próprio Claude Troisgros, saíram das cozinhas e passaram a estar na mídia. Alguns com programas próprios e outros com participações fixas em atrações já existentes.
Em paralelo, felizmente, começaram a movimentar-se para valorizar o local, o regional, retomando o estratégia descrita anteriormente. Bacana? Sim! Mas algo estranho aconteceu. A maioria dos ingredientes usados por eles está disponível fora de suas regiões, e com preços absurdos (alguns enfrentam aumentos até na origem).
Se eu tiver que chutar a razão, diria que é pela natureza do trabalho desses chefs. Seus programas passavam apenas na TV a cabo, que atinge uma porcentagem muito pequena (e mais elitizada) da população. E suas casas são todas gastronomia de alto nível, onde não se gasta menos de R$ 200 para uma refeição completa (mesmo naquela época).
O resultado foram itens, como baunilha do cerrado, cupuaçu, jambu, vinagreira e até mesmo nosso cacau nativo, com preços que não condizem com o seu consumo. A baunilha do cerrado, em especial, é mais cara que a produzida em Madagascar, que está sob risco de extinção.
Grande parte disso também ocorre porque os chefs passam a comercializar os produtos sob suas marcas. Consequência? Quem compra são as classes mais altas, e os produtores, obviamente, optam por fornecer a essa parcela da população (embora o repasse para não acompanhe os preços praticados nas prateleiras).
Uma solução para isso seria, ao meu ver, a adição desses itens em programas de gastronomia de televisão aberta, para que a informação chegue a outras camadas da população. Paralelamente, um programa governamental de valorização, incentivo e divulgação para todas as classes. A valorização do local tem que parar de ser algo de iniciativa particular e tornar-se um plano oficial, como ocorre em outros países que fazem o mesmo.