Aumento do delivery no Brasil abre alas para “cozinhas-fantasma”
As operações focadas exclusivamente em entregas são a aposta de empresários e donos de restaurantes para a próxima década
atualizado
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Pelo nome, parece cenário de filme de terror, mas é uma operação gastronômica como qualquer outra: tendência entre empresas de delivery, as “cozinhas-fantasma” estão pipocando pelas capitais brasileiras. A modalidade, em teoria, funciona como uma operação normal de restaurante, com a diferença de que não há serviço de balcão, ou seja, o foco é inteiramente nas entregas.
“Nós vemos aí uma tendência que vai continuar acelerada em 2020. Em 2019, a quantidade de restaurantes virtuais na nossa plataforma cresceu mais de 15 vezes em relação ao ano anterior. Nosso papel é ajudar o empreendedor a identificar demandas por região”, define Francisco Simon, head of restaurants da Uber Eats no Brasil.
A história da família Takematsu se entrelaça com o boom dos aplicativos de entregas em Brasília. A matriarca, Rosa, sempre cozinhou em eventos da comunidade nipônica da capital e, incentivada pelos amigos, abriu um restaurante com seu nome no Setor Bancário Sul (SBS). Depois de dois anos de muito sucesso, veio a crise em 2016 e parte significativa da clientela do almoço parou de frequentar o self-service. Entre fechar a empresa e focar no delivery, a família optou por mudar radicalmente a operação.
“Atendíamos 200 clientes no almoço e passamos a receber 70, 80 pessoas. Imagina uma queda dessas. Não tem como sobreviver, as contas não fecham. Fizemos algumas consultorias de negócio e por fim um consultor apontou que a comida era boa, tinha qualidade, mas a demanda era fraca. Ele deu a ideia do delivery e decidimos seguir por esse caminho”, lembra o filho de Rosa, Nowan, também sócio da empresa familiar.
Hoje, os Takematsu contam com seis marcas diferentes e ainda fazem o serviço de balcão nas unidades do SBS e de Águas Claras. “Foi uma mudança drástica, porque funcionávamos em dias úteis, só no almoço. A demanda do delivery, para manter o público, é de segunda a segunda, no almoço e na janta. A gente só fecha em Natal e Ano-Novo agora”, comenta Nowan.
O papel de empresas como a Uber Eats na parceria com os restaurante vai além da logística de entregas: os aplicativos coletam dados de consumo de acordo com o horário e a região dos pedidos e, com isso, conseguem contribuir com sugestões de pratos e até mesmo de novos cardápios ao empresário. No caso da família Takematsu, duas das seis marcas da empresa foram criadas graças a estudos feitos pelo app.
“O Dondon Poke, por exemplo, foi criado por causa da tendência do poke. Em Brasília ainda não tinha uma marca consolidada do prato. A gente conversou com a Uber e eles deram a sugestão, porque já trabalhávamos com qualidade e temos clientes cativos. Outra marca foi o Hai! Sushi: eles viram que o sushi a R$ 1 pegou muito rápido em São Paulo e deram a ideia”, lembra Nowan.
Temos alguns milhões de usuários constantemente na nossa plataforma, procurando alimentação. A gente vê as tendências de pratos, regiões, horários… Isso nos permite avisar um restaurante parceiro, para suprir uma demanda que não está sendo atendida. O empreendedor pode até criar uma nova marca só para isso. Nós entendemos que o restaurante parceiro tem liberdade e experiência. Quem sabe fazer a comida são eles
Francisco Simon, head of restaurants da Uber Eats no Brasil
Em Brasília, a s2 Cloud Kitchens é especializada no serviço. Desde a criação da cozinha-fantasma, em 2019, a produção se pautou graças ao retorno dos aplicativos de delivery. “Na Asa Norte, a demanda de hambúrguer é mais intensa à noite, enquanto na Asa Sul, a maior saída de refeições é no horário de almoço. Montamos nossos cardápios para atender os dados do app“, comenta Mateus Modesto, sócio do empreendimento.
A empresa começou com a italiana Tomatzo e hoje também conta com a Tasko, o mexicano Que Quieres, o PFeito e o café Devó no currículo. “Abrimos a cozinha piloto para saber como seria a procura. Fiquei impressionado com o faturamento. É muito alto se comparado ao atendimento em balcão. Penso que o mercado ainda está engatinhando, por incrível que pareça. Ainda tem muito espaço para crescer no delivery, ainda mais porque o hábito está crescendo no país”, afirma Modesto.
Para o coordenador do curso de gastronomia do Iesb Sebastián Parasole, o crescimento do delivery ao ponto de se criarem cozinhas específicas para o serviço não representa, necessariamente, uma queda na qualidade do produto. “O serviço pode ser fantástico. Pizza, por exemplo, não é a mesma coisa que comer na pizzaria. Eu entendo que o transporte, a caixa, a elaboração do produto e a temperatura são variáveis que podem reduzir a qualidade. Mas tem empresas com toda uma infraestrutura para que o cliente tenha uma experiência semelhante à do restaurante”, argumenta.