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Você sabia? Visão e tato influenciam na percepção do sabor do café

Pesquisadoras da área explicam como reações químicas e físicas no cérebro e no preparo da bebida mudam toda a experiência com o grão

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cientista
1 de 1 cientista - Foto: Gui Prímola/Metrópoles

O crescente consumo de cafés especiais leva, naturalmente, a atualizações na forma de preparar, servir e perceber a bebida. E se, para se ter uma experiência completa, não bastasse entender o que está escrito nos rótulos dos pacotes de grãos? E se outros fatores além dos métodos de extração influenciassem no sabor? E se baristas e mestres de torra aprendessem a pregar peças nos nossos cérebros para que tivéssemos o melhor sensorial possível?

Esta é a área de estudos da neurocientista Fabiana Carvalho. A mineira está em seu segundo pós-doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), e é a criadora do projeto The Coffee Sensorium, uma colaboração com a Universidade de Oxford que investiga a influência de fatores externos no consumo de cafés especiais.

Por enquanto, Fabiana realizou experiências com xícaras de diferentes formatos, texturas e cores: testou a experiência de leigos e de profissionais da área sobre como cada aspecto influencia na compreensão da bebida. Para o teste das cores, por exemplo, ela usou dois cafés – um mais ácido, outro mais adocicado – e notou as percepções dos voluntários sobre as bebidas servidas em xícaras cor de rosa, verdes e amarelas.

A expectativa era de que o rosa valorizasse mais o sabor adocicado, enquanto o verde e o amarelo geralmente são associados à acidez. O resultado em terras tupiniquins foi quase poético. “A xícara rosa pareou melhor com os cafés doces, e a verde com os mais ácidos. A amarela funcionou para os dois. A cor é descrita na literatura como relacionada a ácido, mas talvez por morarmos num país tropical, de frutas amarelas e doces, funcionou bem com os dois perfis de café. Foi uma surpresa”, lembra a pesquisadora, que acredita que esses conceitos devem mudar entre culturas e regiões do mundo.

Fabiana fez, anteriormente, um estudo com xícaras da mesma cor e peso, mas com formatos diferentes. Um único café nas três xícaras foi compreendido pelos voluntários de maneira bem diferente (veja arte). Em outro experimento, a neurocientista serviu a bebida em recipientes ásperos e lisos e coletou resultados diversos.

Gui Prímola/Arte

“Tanto experts quanto leigos perceberam retrogosto áspero em xícaras ásperas. Esse é um fenômeno conhecido como transferência de sensação: se a mão encosta em uma superfície áspera e os lábios sentem essa aspereza da xícara, a língua espera aquilo. Eu direciono a percepção do consumidor para este aspecto. Não servi um café áspero na experiência, mas é como se eu tivesse colocado uma lente de aumento nesse atributo, que acaba sendo percebido com maior intensidade do que realmente é”, comenta Fabiana.

Sobre xícaras, a neurocientista ainda pretende testar a espessura da borda para café espresso. No final, ela espera conseguir traçar perfis de cafés que combinem melhor com diferentes recipientes, como já acontece com vinhos e cervejas. Depois, Fabiana deve seguir estudando modelos de embalagens e, eventualmente, abordar decoração e ambiente de cafeterias.

Se a gente entende que vender café é vender uma experiência, isso agrega valor à xícara, as pessoas vão estar dispostas a pagar mais pelo serviço. Tem muitos fatores externos que influenciam, nem sempre o consumidor final tem todo esse conhecimento. Ele não quer saber o que está no pacote, quer ter uma experiência memorável, um ambiente que harmonize com o que está sendo servido

Fabiana Carvalho, neurocientista

Classificação comprovada
A percepção sensorial de cafés, é claro, não se dá exclusivamente pelos fatores externos da bebida. O cuidado na colheita, processamento, beneficiamento e torra são primordiais para a qualidade do que chega à xícara. Por isso, os produtores de café especial enviam amostras de seus grãos verdes para os chamados Q-graders, profissionais do ramo que torram e provam essa produção.

Durante a avaliação, os técnicos vão somando pontos atribuídos à qualidade daquela amostra. Ao final, o grão pontua dentro de parâmetros estabelecidos pela Associação de Cafés Especiais (SCA, na sigla em inglês) de zero a 100: para ser considerada especial, a bebida deve atingir no mínimo 80 pontos.

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O procedimento permite que o Q-grader avalie a consistência do tamanho dos grãos. Peneiras maiores geralmente agregam maior valor ao café
Em seguida, o profissional torra o café e mói na hora de fazer o teste sensorial
O aroma do café moído – e, depois, em infusão – também entra na avaliação
Geralmente, o Q-grader prova três ou cinco xícaras do mesmo café para uma análise consistente
Ao "quebrar" a camada de borra, o Q-grader consegue perceber as notas aromáticas daquele café
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Os Q-graders recebem amostras de grãos verdes para avaliação: a primeira etapa é passar o café em uma sequência de peneiras

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O procedimento permite que o Q-grader avalie a consistência do tamanho dos grãos. Peneiras maiores geralmente agregam maior valor ao café

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Em seguida, o profissional torra o café e mói na hora de fazer o teste sensorial

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O aroma do café moído – e, depois, em infusão – também entra na avaliação

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Geralmente, o Q-grader prova três ou cinco xícaras do mesmo café para uma análise consistente

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Ao "quebrar" a camada de borra, o Q-grader consegue perceber as notas aromáticas daquele café

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A colher em formato de concha ajuda a movimentação na hora da degustação, a última etapa da avaliação

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“O trabalho do Q-grader não é exatamente descrever o café, mas identificar a qualidade daquela bebida nessa escala dada por formulários. A pontuação varia por aumento de complexidade e de intensidade em atributos como doçura, acidez e corpo”, descreve a bióloga e Q-grader Verônica Belchior.

Em seu doutorado, a pesquisadora comprovou a efetividade deste tipo de avaliação. Verônica testou amostras de café em duas frentes: entregou grãos verdes a Q-graders voluntários e, em seguida, expôs o mesmo café a uma análise experimental chamada espectroscopia no infravermelho médio e próximo.

“Isso significa expor a amostra torrada e moída a um feixe de luz que excita as moléculas do café. O computador me mostra um gráfico cujos picos apontam grupos funcionais das moléculas do grão. É como se eu tivesse uma impressão digital da amostra que me desse informações importantes como cafeína, lipídios, toda a composição química da bebida”, descreve a pesquisadora.

Em seguida, Verônica aplicou os gráficos a um modelo estatístico que somava os pontos dos cafés analisados pela máquina. Ao correlacionar as amostras com as avaliações feitas pelos colegas Q-graders, ela percebeu que os resultados eram correspondentes. “Trocando em miúdos, a estatística me disse que as pontuações são reais”, conclui a bióloga.

Aplicação prática
Fabiana e Verônica vão ministrar um curso de dois dias sobre percepção de cafés especiais na Rota da Cafeína, evento anual organizado pelo Ernesto que começa na próxima sexta-feira (17/05/2019). A neurocientista vai demonstrar a aplicação de sua pesquisa no sábado (18/05/2019) e, no dia seguinte, a bióloga vai explicar como os aspectos físicos e químicos da torra do café influenciam na experiência sensorial.

Questionada se os termos científicos não são pouco amigáveis para o consumidor final, Verônica garante: não há com o que se preocupar em sua aula. “Todo mundo consegue acompanhar! Eu não vou demonstrar reações químicas, até porque sou bióloga. Vamos entender o que acontece na torra do ponto de vista físico-químico, o que o calor faz com o grão, o resultado disso na xícara. O que quero dizer com isso é que torras diferentes resultam em cafés distintos”, afirma.

A análise sensorial do café é a análise da expressão da torra. Tudo que nosso cérebro interpreta é resultado do que a química nos dá. É esse casamento entre o que a química cria e o que a cabeça entende

Verônica Belchior, bióloga

Para participar dos cursos da Rota da Cafeína, é preciso se inscrever no site do evento. O curso ministrado por Fabiana e por Verônica custa R$ 1,2 mil.

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