Experiências no cafezal movimentam turismo e reúnem fãs da bebida
No processo da “vinificação” do café, o próximo passo é a promoção de visitas aos cafezais
atualizado
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Quem bebe uma boa xícara de café geralmente não sabe o quão tortuoso é o caminho do cafezal ao moinho. A terra exige manejo e a colheita, delicadeza. Depois, os frutos passam por processos de secagem, lavagem, despolpe e, por vezes, até mesmo fermentação. Passado o beneficiamento, o grão ainda requer um mestre de torra que saiba valorizar as melhores características daquele terroir. Por fim, o barista deve conhecer as técnicas adequadas de extração da bebida. Se alguém erra em qualquer ponto dessa cadeia, todo o trabalho feito se desvaloriza. E o cliente nem fica sabendo.
Para aproximar o consumidor final à terra, cafeicultores brasileiros estão se espelhando nos já consolidados tours em vinícolas e adaptando os roteiros: em vez de finalizar a visita com um jantar regado a vinhos finíssimos, fazem um belo lanche da tarde com os melhores e mais frescos cafés que o local oferece. “As nossas inspirações para criar o programa foram as famílias de produtores, que já faziam um trabalho que dignificava a cafeicultura. É também uma oportunidade de geração de emprego e de renda na região”, destacou Felipe Toé, sócio na empresa CaféTur, localizada na região de Piatã, na Bahia. A declaração aconteceu durante palestra na Semana Internacional do Café (SIC 2019).
Independentemente se de maior ou menor duração, os roteiros turísticos em cafezais são parecidos: depois de apresentar os cafés da região, os organizadores dos tours falam das histórias das famílias produtoras e partem para o cafezal. Durante o trajeto, os visitantes aprendem sobre o ciclo da planta, colhem café – quando é época – e visitam as estações de beneficiamento. Por fim, são apresentados à torra e aos diferentes métodos de extração.
O baiano recebe muito bem os visitantes, mas em Piatã não tinha estrutura para turista. Juntos, conseguimos criar uma experiência que é um afinamento entre histórias. Imagine a sua vida encontrando com a de quem entende da terra, que olha para o céu e sabe se vai chover, que vê uma formiga passando e sabe de onde ela vem, para onde ela vai… Quando o urbano e o rural se unem, acontece algo muito potente e bonito: eu chamo de encantamento.
Lucas Castro, sócio da CaféTur
A grande inspiração da CaféTur é uma das empresas pioneiras no turismo em cafezais, a torrefação mineira Unique. O mestre de torra Helcio Júnior integra a quarta geração de cafeicultores da família e, quando montou o negócio, em 2009, enfrentou muita resistência do consumidor ao café especial. Uma das soluções que o empresário encontrou foi justamente no turismo em São Lourenço (MG), no Parque das Águas.
“O brasileiro tinha o hábito de beber aquela xícara preta, saindo fumaça, cheia de açúcar. Era um paradigma a se quebrar, e enxergamos no turismo essa possibilidade. É uma atividade que educa e gera lucro, mas não é para todo mundo. Vejo que tem muitas famílias com resistência, mas temos que pensar em todos que vamos educar, mostrar o trabalho para tornar a cadeia realmente sustentável”, lembrou o empresário.
As regiões produtoras brasileiras têm outros tantos tours famosos – não é raro encontrar americanos e europeus em experiências imersivas na Serra do Caparaó, região dividida entre Minas Gerais e Espírito Santo. “A gente segue a rotina normal e eles nos acompanham, adoram colher café. Isso é mais gringo, eles que gostam. Eu adoro fazer esse tipo de coisa, observar como as pessoas reagem ao cafezal”, disse ao Metrópoles o produtor Tarcísio Lacerda, do Sítio Santa Rita, em Minas Gerais.
Do campo à cidade
A jornalista Kelly Stein lançou, em parceria com a empresária Manoela Andrade, a Coffea Trips: a ideia é criar passeios pelo Brasil e pelo mundo de acordo com a curiosidade e o nível de conhecimento das turmas formadas para cada viagem. Além de levar a clientela para conhecer regiões produtoras de café, a dupla vai oferecer passeios urbanos também. A viagem de fevereiro, prevista para os dias 27 e 28, será em Belo Horizonte (MG) e vai explorar cafeterias e torrefações icônicas da capital mineira.
“O objetivo é entender as expectativas do grupo antes da partida e alinhar o conteúdo que será passado de acordo com o nível de conhecimento de nossos clientes. Queremos traduzir esse universo técnico do café em workshops, visitas e imersões”, destaca Kelly. No primeiro semestre de 2020, estão previstas visitas a Araponga (MG), um roteiro urbano em cidades paulistas, visitas à Chapada Diamantina e ao Parque Nacional do Caparaó, que se divide entre Minas Gerais e Espírito Santo.
“Vamos focar em destinos brasileiros na primeira fase da empresa. Depois, lançamos roteiros internacionais com direito a visitas a países africanos, o berço do café”, promete Manoela. Em abril, a dupla vai desbravar, ao lado dos clientes, a primeira viagem internacional da empresa, para os Estados Unidos. Do dia 23 ao 26, estarão em Portland. E de 27 a 30, em Seattle.
É logo ali
Participar do dia a dia do cafezal não é exclusividade de turistas estrangeiros, tampouco de fazendas em regiões produtoras consagradas. A 60 quilômetros do centro de Brasília, no município de Planaltina, em Goiás, o cafeicultor Ismael Geraldo Filho recebe, a cada dois meses, visitantes curiosos com a produção artesanal da chácara que leva o nome do dono. Os passeios são promovidos pela professora de barista Sulayne Shiratori, da escola Los Feliz.
“Parece que as pessoas ficam mais apaixonadas pelo café. Olham para o produtor com muito respeito, passam a entender por que falamos em café especial. Muitos me contam, no final, que passarão a pagar com prazer pelo café, sabendo dos passos do processo. É uma valorização do produtor, da marca, e das pessoas da cadeia que estão envolvidas”, descreve Sulayne.
O sr. Ismael fica radiante com as visitas, garante Sulayne. “Parece uma criança. Pega pelo braço, mostra o óleo que usou para proteger essa ou aquela folha, explica como é a poda. O que eu vejo nele é a felicidade em receber. No início, as pessoas só querem tirar foto, mas logo começam a perguntar e a prestar atenção no que ele está dizendo”, conta a professora.
Devido ao período de recesso, as visitas à Chácara do Ismael só serão possíveis após o Carnaval 2020.