Premiada, Cruls coloca Brasília na vanguarda da cerveja nacional
Por meio da inovação com tecnologia e foco na sustentabilidade, a marca busca manter a tradição de uma das bebidas mais antigas do mundo
atualizado
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A Cruls Cervejaria Artesanal é uma das mais premiadas do Brasil e, ao contrário de suas concorrentes condecoradas, a marca brasiliense é extremamente jovem. Com apenas dois anos de funcionamento, a Cruls acumula 19 medalhas em premiações internacionais.
Os três sócios, Pedro Capozzi, Rodrigo Braga e Filipe Gravia, passam seus dias na nova fábrica em construção, localizada na Fazenda Recanto do Ameal, em Santa Maria. A Cruls não circulou durante os últimos 5 meses por causa da reforma do espaço, orçada em R$ 3,5 milhões. Entre talentos, estrutura e equipamento, os sócios estiman que o investimento seja de R$ 7 milhões até a conclusão da obra. O montante foi levantado, em sua maioria, junto a investidores privados. Nos 2 hectares de terra, os três planejam concluir um projeto ambicioso que visa aproximar seus produtos dos consumidores.
Em entrevista ao Metrópoles, Rodrigo lembra que passou dois ou três anos fazendo cerveja em casa depois de começar o hobby. Enquanto isso, Pedro descobriu sua paixão por esse mundo durante a época em que fez intercâmbio pelo programa Ciência sem Fronteiras. Os dois então se esbarraram em uma matéria de verão na Universidade de Brasília (UnB), onde estudavam Engenharia de Produção e descobriram o interesse em comum.
Algum tempo depois, durante uma aula, Rodrigo montou um plano técnico-financeiro de uma cervejaria. A partir disso, ele percebeu que a ideia era viável e acabou tornando o desejo realidade com a ajuda de Pedro e Filipe.
“Acho que aqui no Brasil, de forma geral, a cerveja artesanal é algo que vem de casa”, explica Pedro. “O Rodrigo começou fazendo cerveja em casa, e eu fiz um curso aqui em Brasília, na Candango Bräu – um pessoal responsável por formar bastante gente.”
Com o negócio, eles tiveram de se profissionalizar. Pedro fez um curso de sommelier de cerveja com Filipe, enquanto Rodrigo foi estudar na BioLab, na Inglaterra, tornando-se um dos poucos mestres cervejeiros no Brasil com a formação. “Ele buscou essa profissionalização para fazer o projeto com o máximo de qualidade possível”, acrescenta Pedro.
A Missão Cruls
Mas de onde vem o nome Cruls? “A gente queria buscar uma relação com Brasília, pois somos todos daqui, então queríamos algo com forte conexão à cidade, mas que não fosse algo óbvio”, explica Rodrigo. Então eles foram atrás da vanguarda.
O nome foi inspirado pela Missão Cruls, uma história que poucos se lembram sobre a formação da capital brasileira. A Comissão Exploradora do Planalto Central, composta por 21 pessoas e chefiada pelo astrônomo e geógrafo belga naturalizado no Brasil Louis Ferdinand Cruls. Foram eles, que, no ano de 1892, demarcaram uma área de 14,400 km² considerada adequada para a futura capital.
“Queríamos trazer esse nome para a cervejaria, como um negócio novo, justamente para lembrar as pessoas dessa história que pouca gente conhece”, explica Rodrigo.
Cara, há um tempo, tivemos grupos que foram visionários, que tiveram o espírito aventureiro de adentrar um lugar desconhecido, de explorar uma área, de ser inovador
Rodrigo Braga
Pedro lembra ainda que os rótulos da nova linha de cervejas, a ser lançada no próximo mês, contam, cada um, partes da Missão Cruls. “[Tentamos] marcar o consumidor não só com a qualidade da cerveja mas também com o impacto social e cultural”, elabora.
Rodrigo conta também que os sócios-fundadores se identificaram com os valores de vanguarda da missão. “A gente se identificou muito como empreendedores de uma área tão nova”, explica o mestre cervejeiro. “Brasília, até então, tinha duas fábricas, fomos a terceira”, pontua.
A Cruls nasceu com capacidade de produção de 3 mil litros. Antes da expansão, conseguiram crescer em um ano para 10 mil litros. Hoje, a produção já alcança 20 mil litros, e eles têm a meta de chegar a 200 mil. Por isso, a nova fábrica tem um galpão gigante.
Hoje com 13 rótulos e 13 empregados, números bem diferentes de março de 2018, quando tudo começou. “Quando chegamos aos 10 mil litros, a gente viu que qualquer expansão que fizéssemos seria um puxadinho aqui, um puxadinho ali”, adianta Filipe, sócio-investidor da companhia. “A gente começou a fazer o projeto da fábrica de acordo com o nosso sonho”, revela Rodrigo.
A marca é focada na democratização da cerveja. “Hoje em dia, a cerveja artesanal representa 1% do mercado nacional. Os outros 99% estão divididos entre Kirin, Ambev, Petrópoles. Ainda estamos distantes e sabemos que temos de alcançar outras partes da população”, diz Pedro.
Na busca desse objetivo, Capozzi frisa o tripé da Cruls: tecnologia, sustentabilidade e tradição. A fábrica é turbinada com ideias de parceiros-chave e equipamentos brasileiros de ponta. Um dos primeiros investimentos da companhia foi a contratação de Marcos, o gerente de qualidade, que toma conta do processo de fermentação, maturação e acompanhamento da cerveja. Logo depois, eles investiram em equipamentos de análises bioquímicas, para minimizar o desperdício e assegurar a consistência do produto.
“Nos preocupamos muito com a manutenção do nosso ambiente. Toda nossa construção foi feita em piso lajeado para não haver compactação do solo e permitir ainda a penetração de água”, afirma. A fábrica faz uso do lençol freático não somente na manutenção da horta e dos pomares mas também na produção da cerveja.
“Temos uma estação de tratamento”, explica Filipe. “Temos um plano de usá-la para irrigar pomar, horta, poder aproveitar o máximo possível”, conclui. Ele ainda menciona que o bagaço de malte, resultante do fim do processo, é usado por um fazendeiro vizinho para transformar em ração e adubo. “Tentamos causar o mínimo de impacto possível”, promete.
Os cervejeiros usam ainda os insumos da fazenda. “Temos testes de cervejas com jabuticabas [que crescem no terreno da fábrica]”, explica Rodrigo. A Berliner Weiss Gose também usa produtos locais, como alecrim e tomate.
“O terceiro aspecto é a tradição”, acrescenta Rodrigo. “De estarmos representando essa história tão bonita, de estar fazendo cerveja”, diz. Sendo uma das bebidas mais antigas do mundo, os sócios-fundadores focam na preservação desse savoir-faire. No entanto, ao mesmo tempo, eles colocam que o mercado brasileiro de cervejas é um dos mais inovadores do mundo. “O Brasil é um ecossistema cervejeiro que está trazendo muitas novidades para o mundo, criando até um estilo o próprio, as Catarina Sours; cervejas de base ácida com adição de frutas”, explica Rodrigo.
Cervejarias Artesanais no Brasil
Por conta do monopólio que grandes empresas têm sobre o mercado cervejeiro no Brasil, é difícil para um pequeno ou médio produtor quebrar essas barreiras. “Estamos nos aproximando de uma revolução de consumo. O consumidor hoje está mudando um pouco a visão, buscando consumir algo mais saudável, de produtores locais, algo que gera empregos aqui”, acredita Rodrigo. A demanda para esse tipo de produto está aumentando. “A gente cresce 35% ao ano e já se somam 1 mil cervejarias no Brasil”, ressalta.
Essa revolução de consumo já foi observada em países como os Estados Unidos, onde o mercado de cervejas artesanais representa 15% do market share do país.
Estamos em um mercado que muitos falam ‘ah, vocês estão na crista da onda’. Não, a gente está construindo a onda. A onda ainda não subiu
Rodrigo Braga
O trabalho não está apenas na produção de cerveja mas também na educação do cliente sobre o produto que está prestes a consumir. “Eu falo para os meninos [que vendem a cerveja na kombi], vocês têm que ler seu consumidor rapidamente”, explica Rodrigo. “Tem cliente que não sabe o que é aquilo ali. ‘Me dá uma Brahma, me dá uma Skol, me dá uma normalzinha aí’ – é o que mais pedem. Aí você tem que apresentar um produto novo para o cliente de forma simples e sutil”, conta.
“Ao mesmo tempo, há consumidores que vêm perguntar para os cervejeiros qual lúpulo estão usando. Lidamos com mundos completamente diferentes na hora da abordagem”, acrescenta Braga.
O Futuro
Quando o assunto é expandir Brasil afora, a maior preocupação da Cruls é na qualidade da cerveja. “A partir do momento que você enfrenta longas distâncias, temperaturas no caminhão, logística, o produto acaba sofrendo com essa movimentação”, salienta Rodrigo. No entanto, na expansão da marca com fábricas em diferentes cidades do Brasil, esta seria uma opção viável. “Hoje isso não está nos planos”, conclui Rodrigo.
De imediato, a Cruls tem planos de lançar garrafas de seus rótulos até o fim do ano – em janeiro de 2020, será a vez das latas.