Petra é pop! Barista trans vira referência em café especial no DF
O Metrópoles entrevistou Petra Moreira, barista trans reconhecida pelo café e pela luta por um mercado junto e igual para todos
atualizado
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Mulher, barista e referência. Essas três palavras que definem bem Petra Moreira Cruz. Aos 31 anos, ela é gerente da cafeteria Objeto Encontrado e se define como alguém que, hoje, “sabe bem quem é”. A profissional se encontrou no mundo do café especial e viu nele uma oportunidade de crescer como pessoa e como expert no assunto.
Contudo, nem sempre foi assim. A goiana nascida em Anápolis veio para Brasília aos 17 anos, a fim de estudar na Universidade de Brasília (UnB). Entre idas e vindas na faculdade, Petra se viu em uma crise de identidade profunda. “Em 2018, não sabia quem eu era, não sabia o que eu queria e tinha muito medo do meu futuro”, conta, em entrevista ao Metrópoles.
Durante as aulas, Moreira conheceu uma mulher transexual em meio à confusão mental e viu nela uma luz. “Isso mexeu muito comigo… Eu sentia que precisava de uma conexão com ela de alguma forma para tentar me entender. Tivemos uma longa conversa e foi esclarecedor de várias formas”, relembra.
Após algumas pesquisas sobre identidade de gênero, a barista decidiu fazer a transição, mesmo que ainda estivesse com medo. “Existem preconceitos clássicos idealizados sobre mulheres trans, não é? Eu sentia receio de não ter futuro, de ser marginalizada e acabar sem emprego”, desabafa, afirmando que seguiu em frente mesmo assim.
Com o acompanhamento e apoio do Ambulatório de Assistência Especializada às Pessoas Travestis e Transexuais do Distrito Federal, Petra começou a receber tratamento psicológico, psiquiátrico e hormonal em setembro de 2018. “Foi tudo muito rápido, mas fiz da forma certa”, comentou.
“O café fez parte do processo”
Meses depois, em 2019, sem saber qual futuro seguir, Petra ficou sabendo de uma vaga para trabalhar no Objeto Encontrado, cafeteria da Asa Norte. Curiosamente, naquele momento, ela nem gostava da bebida. “Pensei: ‘bom, que mal vai fazer, né?’ Fiz alguns testes, amei o ambiente, me senti muito acolhida e fui contratada como atendente”, explica.
Por lá, o irresistível mundo do café especial acabou chamando a atenção da jovem. “Eu comecei a me interessar pelo assunto e queria aprender como fazer. Pedi ajuda, estudei um pouco e fui, aos trancos e barrancos, aprendendo na marra”, afirma. De atendente, ela passou para barista “em um pulo”: “Durante a pandemia, fiquei responsável pelos cafés e tive que aprender tudo na prática.”
Contando com o auxílio e a expertise do barista Marcelo Ribeiro, da barista Mari Mesquita e de Lucas Hamú, dono do Objeto, ela foi adquirindo conhecimento e técnica suficiente para ser quem é hoje: uma referência.
Com participação em vários eventos sobre o assunto, Petra é uma das mulheres que representam o café especial em Brasília, bem como a luta de pessoas trans no meio e na gastronomia em geral.
“Café para todos, todas e todes”
Muito além de ser barista, ela visa dar cursos, consultorias e está produzindo um guia sobre o universo trans, suas dificuldades e como lidar, seja você alguém trans, seja uma pessoa que está contratando ou convivendo com um. “Para os empresários que querem contratar pessoas trans, por exemplo, é preciso que haja um compromisso diário em ampliar conhecimento para acolher de forma genuína”.
Ela explica: “Não adianta contratar pessoas trans para cumprir uma política sem abraçar as questões complexas desse público, ouvir, entender. Às vezes, um cliente é desrespeitoso e a posição da casa é não criar uma situação para manter o cliente. A reflexão deveria ser atender alguém assim vale a pena”, defendeu.
Nesse âmbito, ela sugere ampliar o leque de discussões necessárias sobre o tema. “São questões delicadas, como a do banheiro, como lidar com os clientes, a postura da empresa diante de preconceitos e até o respeito ao espaço pessoal da pessoa trans. Não é só ter na equipe, mas estar preparado para lidar com situações que pessoas cis não costumam passar”, esclarece.
Afinal, ainda que possam contar com capacitação para ganhar espaço no mercado de trabalho, pessoas trans continuam a enfrentar o preconceito (ou correr risco de morte) só por serem quem são no Brasil. “Meu objetivo com o guia e as consultorias é abrir a mente das pessoas e ensiná-las a respeitar acima de tudo, da melhor forma possível”.
Caminho é longo
Em uma pesquisa recente da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), 88% dos entrevistados disseram que “as empresas não estão preparadas para contratar ou garantir a permanência de pessoas trans em seus quadros”.
“Há um longo estigma pela frente a ser quebrado em uma sociedade que a passos lentos contrata pessoas trans para vagas formais”, finaliza Petra.