Gelado ou em grãos: como o café especial se reinventou na quarentena
Sem a possibilidade de servir a bebida com qualidade através do delivery, cafeterias tentam adaptar hábitos de consumo dos clientes
atualizado
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As medidas exigidas durante o combate ao novo coronavírus reduziram grande parte das experiências do setor de bares e restaurantes, deixando o serviço de delivery em destaque, e nem todos os itens do cardápio se encaixam nesse formato. O principal produto das cafeterias especializadas, uma simples xícara de café, não sobrevive a uma viagem dentro de uma mochila térmica. Como, então, servir o café especial a quem o aprecia e ainda não quer sair de casa?
“As bebidas da máquina de espresso têm que ser consumidas rapidamente: a crema do espresso abre, a espuma do cappuccino se dissipa. Qualquer outra bebida perde o calor rapidamente. Eu acho que essa é uma grande questão, é problemático servir um produto que chega ao cliente aquém do que ele é”, explica a barista Luciana Araújo, que liderou a Casa Quilha e trabalhou no Ernesto Cafés Especiais.
Para muitas casas, a solução no delivery é o café gelado. “Estamos focando no cold brew, porque o pior que pode acontecer é ele não chegar tão gelado. A bebida quente é muito mais arriscada: pode vazar, derreter o copo, virar na sacola… Para viagem, mandamos só as bebidas que levam leite, mas nada de coado”, comenta João Mazocante, sócio no Antonieta Café. Ele conta, no entanto, que a demanda por cafés em grão aumentou significativamente enquanto co comércio do Distrito Federal seguia fechado.
“A gente sempre teve pacotinho, mas não tinha muito volume de venda. Nossa cafeteria era mais focada na experiência, em estar no ambiente. As vendas aumentaram muito. Não é que as bebidas não estejam saindo, mas se comparar com o que era antes, o café em grãos ou moído está saindo muito mais”, relata João.
No Jacket Café, muita gente opta pelo espresso no take out – e também pelos pacotinhos. “Os pedidos aumentaram, as pessoas estão fazendo muito café em casa. Não tem mais o cafezinho do trabalho. A vantagem é que o cliente pode comprar em poucas quantidades e ter sempre um grão de torra fresca em casa”, argumenta Talita Borges, sócia na casa.
Aprendizados
Dentro do universo do café especial, o papel do barista é dialogar com o cliente, levar informações e conhecimentos sobre a cadeia a quem tem curiosidade. Como refazer este caminho diante do isolamento social? Um coletivo de baristas de Brasília criou um curso de café caseiro que tenta ressignificar essa relação.
A proposta lançada em junho é criar ciclos de aulas online: a cada temporada, um grupo de baristas assume a escola, produz o conteúdo, tira o próprio sustento enquanto mantém o sistema funcionando para a próxima turma. Assim, os profissionais conseguiriam retorno financeiro imediato, além de terem a possibilidade de recolocação profissional no momento incerto pelo qual o mundo passa.
“É até constrangedor falar em economia porque a saúde está em situação muito pior. Mas quando paro para pensar no trabalho de pessoas que estão há tantos anos no café especial… é uma construção frágil, podemos perder todo o trabalho dos últimos anos se não tivermos o mínimo de cuidado com nossos parceiros e clientes. Essa é a questão, trazer de volta, mesmo que não seja algo permanente. Que o barista continue sento o porta-voz, se não pessoalmente, da melhor maneira, em casa”, defende Luciana, uma das baristas criadoras do projeto.