Beneditina abençoada: Mosteiro de São Bento produz cerveja “milagrosa”
Na casa religiosa, são produzidas English Red Ale, Imperial Russian Stout e a belga Golden Ale. Todas à venda por R$ 18
atualizado
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Ora et labora. Et bebemus. Cada vez mais movimentada, a cena cervejeira brasiliense ganhou um reforço de peso. Uma “semi-trapista” pra chamar de sua. Produzida no Mosteiro de São Bento, na Ermida Dom Bosco, a Beneditina é única em sua proposta na capital.
A história começa há pouco mais de um ano, quando o prior Dom André Rocha Neves sugeriu a Dom Bernardo Maria de Freitas, 37 anos, que produzisse uma cerveja artesanal dentro dos limites da clausura. O propósito original era a confecção da bebida voltada ao consumo interno do mosteiro, que já faz licores de lima, com especiarias e abacaxi.
Resistente com o pedido inicial, por se tratar de um alto investimento financeiro e também com receio de desperdício, Dom Bernardo decidiu abraçar a causa após surgir a oportunidade de realizar um curso básico de mestre-cervejeiro. “Durou apenas um dia, mas percebi que existe uma beleza no processo de ver o malte e os açúcares gerados se tornarem álcool. O milagre da transformação na cerveja é muito vivo”, diz o religioso.Com uma receita em mente e 28 garrafas de cerveja dos mais variados estilos em mãos, o mestre-cervejeiro retornou ao mosteiro e começou a criar. “A Beneditina English Red Ale é a receita original e fiz apenas uma pequena alteração: adicionei outro malte, tornando-a mais concentrada. Com 6,8% de teor alcoólico, a bebida possui um amargor marcante, mas o destaque mesmo é o sabor maltado”, avalia Dom Bernardo.
Ele lembra que as 12 primeiras garrafas expostas na lojinha do mosteiro foram rapidamente vendidas. Para acompanhar a Red Ale, o religioso lançou outras duas cervejas. “Busquei fazer um degradê e isso está presente nos rótulos, tampas e estilos. A Beneditina Imperial Russian Stout possui toques de chocolate e café. É escura, encorpada, amarga e a mais forte das três, com 10,3% de teor alcoólico. Já Beneditina Belgian Golden Ale tem 10%. Clara, de um dourado suave, sua principal característica é a forte presença de especiarias, como semente de coentro, casca de laranja, cardamomo e endro”, explica.
Com produção de 300 garrafas/mês, sendo 100 de cada estilo, as Beneditinas são vendidas por R$ 18 (a unidade). Atualmente, uma série de atividades paralelas fora do mosteiro está exigindo atenção de Dom Bernardo e, com isso, o fluxo de produção, antes semanal, anda mais limitado. “Ainda possuímos apenas um fermentador pequeno, mas já vislumbramos a possibilidade de comprar outros dois para que cada receita tenha o seu próprio recipiente”, antecipa.
Rótulo
A mão de Dom Bernardo está presente inclusive no rótulo da Beneditina. Com a ajuda do ex-publicitário convertido Lucas Brandão, ele confeccionou o brasão que une o leão – símbolo da Ordem Beneditina – e o losango, uma referência ao Palácio da Alvorada.
Abaixo do escudo, há ainda o lúpulo e o malte estilizados, os dois principais elementos da cerveja. O verde tem significado especial: é a cor oficial dos Beneditinos. “As primeiras ganharam o nome de Brasiliense e foram rotuladas como tal, mas logo o nome atual, uma homenagem à Ordem, ganhou força”, revela.
Para o futuro, o mestre-cervejeiro pretende lançar uma quarta cerveja, uma IPA. “As pessoas pedem muito, mas como a IPA leva quatro vezes mais lúpulo em sua fórmula, isso encarece a produção. Devemos começar produzindo e vendendo apenas em datas especiais”, adianta.
Vida monástica
Nascido em Água Doce do Norte, no Espírito Santo, Dom Bernardo vive no mosteiro há oito anos e os dias de produção têm rotina especial. Por fazer todo o processo sozinho, o mestre-cervejeiro religioso participa apenas das vigílias, laudes e da missa.
Consumidas durante o recreio de domingo, celebrado à noite após o jantar, as cervejas fazem sucesso entre os irmãos. “A favorita é a English Red Ale. É chamada de ‘a vermelha'”, revela Dom Bernardo.
Trapista brasiliense
Dom Bernardo é rígido quando perguntado se as Beneditinas brasilienses podem ser consideradas cervejas de estilo trapista. “Não. Segundo as leis da Associação Trapista Internacional, só podem ser consideradas cervejas genuínas aquelas feitas dentro de mosteiros e por monges trapistas, e não funcionários”, afirma.
Hoje, apenas 11 mosteiros produtores de cervejas carregam esse status. “Um dos critérios que também dão esse caráter de exclusividade às trapistas é que qualquer lucro que o mosteiro venha a ter com a venda das cervejas deve ser, obrigatoriamente, doado para instituições de caridade ou destinado ao auxílio de pessoas necessitadas”, pontua Dom Bernardo.
Um dos casos mais famosos é da Nursia, cerveja trapista produzida por religiosos italianos. Graças à bebida, eles conseguiram reerguer a Basílica de São Bento, destruída nos terremotos de 2016 na Itália. A gelada tornou-se uma das bebidas mais prestigiadas do mundo.