Ativista e chef, João Diamante utiliza a gastronomia para transformar vidas
Com o projeto Diamantes na Cozinha e o programa Garimpeiro do Sabor, ele dá visibilidade à pessoas e restaurantes marginalizados
atualizado
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Crescer nas ruas do complexo do Andaraí, no Rio de Janeiro, moldou o caráter e o pensamento do baiano João Diamante. Aos 30 anos, ele chegou aonde muitos amigos que cresceram com ele não puderam: chef de cozinha, modelo, palestrante, professor, ativista social, destaque na lista Under 30 da Forbes, apresentador de TV. Mas o caminho até aqui não foi fácil. Pelo contrário, teve que se esforçar cinco vezes mais para chegar onde está hoje.
João é um cara como muitos que estão lendo esse texto: nordestino, preto, pobre, favelado, que desbravou o mundo. Agora luta para que o cenário seja diferente para aqueles que vêm por aí. “A gente trabalha dia após dia para que não seja da forma como foi com João Diamante”, enfatiza o chef.
Mas, diferente de muitos, ele teve o que considera uma virada de chave na vida de qualquer pessoa: oportunidade. Como Diamante mesmo define, ele foi lapidado. Descoberto nas cozinhas da Marinha, pode estudar e chegou a fazer estágio no restaurante da Torre Eiffel, em Paris, Le Jules Verne. Hoje usa o que aprendeu até aqui para transformar a vida de pessoas que, como ele, cresceram nas favelas.
“Só a partir das oportunidades é que as pessoas conseguem evoluir na vida. Eu era uma pedra bruta, fui garimpado, lapidado e hoje posso ajudar outras pessoas com o conhecimento que domino, que é a gastronomia.”
Na telinha
O mais recente feito do chef é o programa Garimpeiro do Sabor, do canal Woohoo. Nos episódios, João visita restaurantes e mostra que também é possível encontrar tesouros onde, muitas vezes, as pessoas se recusam a olhar.
As casas escolhidas para as visitas ficam fora do eixo central do Rio de Janeiro. Sendo a grande maioria endereços na Zona Norte, em periferias e favelas. Mas também cabem alguns pontos em comunidades da Zona Sul.
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“São sempre regiões pouco exploradas e valorizadas por conta de vários motivos. Seja preconceito, violência ou o fato da área ser ou não nobre”, explica João
E se engana quem pensa que o programa é sobre gastronomia. De acordo com o apresentador, o show é, na verdade, sobre pessoas. “Na frente daquele empreendimento existem histórias, lutas, batalhas… Aquele negócio existe por um motivo, e esse motivo são as pessoas. O mundo precisa entender que pessoas precisam de pessoas. Se o mundo entender isso, certamente vai ser melhor. “
Pedras preciosas
Mas o Garimpeiro do Sabor é apenas um passo na incrível jornada que ele tem construído ao longo dos últimos anos. João comanda, desde 2016, o projeto que leva seu sobrenome: Diamantes na Cozinha.
A iniciativa utiliza a gastronomia como ferramenta de transformação social. “A intenção real é dar essa primeira oportunidade para a pessoa e ela sair de lá como cidadão do bem e entendendo que pode chegar aonde quiser. (Queremos) empoderar as pessoas através da gastronomia”, conta o chef.
De quebra, quem passa por lá também aprende os fundamentos básicos da gastronomia. Temas como cozinha quente, cozinha fria, panificação, confeitaria, serviço de bar, barista, hospitalidade, empreendedorismo e segurança alimentar fazem parte do currículo.
Durante a pandemia, o projeto deixou de ser presencial e se tornou online, com apoio da plataforma Curseria. Ao todo, são três meses de curso com turmas de 50 alunos de comunidades cariocas.
O projeto já passou pelo Complexo do Alemão, está no do Andaraí e quer chegar à Cidade de Deus. “Depois que ajeitar esse curso on-line, a gente vai tentar expandir para o Brasil todo.”
Cozinhando com amor
Outro xodó de Diamante é o Na Minha Casa. O restaurante tem a proposta de oferecer a experiência única de se reunir ao redor da mesa junto ao aconchego da comida caseira. Por lá, ele entrega muito mais que refeições.
Em tempos normais, o espaço funciona com o sistema “pague o quanto quiser”. É assim: você vai ao local, come e paga o valor que achar justo pela comida com base em um valor sugerido pelo restaurante. Na casa de João Diamante ele utiliza um quadro de giz para mostrar os custos que envolvem a produção do alimento e sugere um valor.
“Acredito muito nesse sistema de confiança no próximo. A gente foi criticado muitas vezes, principalmente por ser no Rio, mas o modelo deu super certo. As pessoas sempre deixavam mais do que a gente sugeria”, conta o cozinheiro.
O projeto, que começou acontecendo em um restaurante, retomou um pouco as raízes e segue itinerante na pandemia. Agora o cardápio é apresentado a clientes costumeiros e o pagamento feito previamente para garantir as reservas.
Tudum
Entre a inovação e a liberdade de cozinhar, João Diamante pôde mostrar o Na Minha Casa para o mundo. Ele foi convidado para participar do documentário de viagem Somebody feed Phil (Alguém alimente o Phil), da Netflix.
No episódio de estreia da 4ª temporada, Phillip Rosenthal visita o Rio de Janeiro e aproveita para conhecer o Na Minha Casa com a chef Flávia Quaresma. O apresentador norte-americano introduz João Diamante como “alguém que faz diferença para jovens nas favelas” e explica como funciona o projeto Diamantes na Cozinha.
É interessante destacar que João fala em português e é Flávia quem traduz. Mas isso não impede que Phil sinta a emoção que o chef entrega com as receitas da culinária brasileira e no trabalho desenvolvido no dia a dia. Tanto é que Rosenthal destaca: “Existem diamantes em todo lugar, é só olhar”.
Louros
Além da participação em Somebody feed Phil, outros reconhecimentos vieram. Em 2020, João Diamante foi um dos escolhidos para compor a lista de jovens empreendedores da Forbes Under 30.
“A gente consegue ser exemplo para outros como eu que existem por aí. Servir de inspiração e mostrar que dá para chegar, mesmo com todas as batalhas do dia a dia”, pontua.
Ele ressalta ainda que casos como esse lembram que este é o caminho certo e que precisa continuar fazendo mais. Muito mais que chef, professor, modelo, palestrante, ativista social e apresentador de TV, João Diamante é um propósito que ele segue diariamente.
“Minha melhor experiência na gastronomia é utilizá-la como ferramenta para ajudar pessoas. Eu tive experiências incríveis comendo, conhecendo e trabalhando em lugares maravilhosos. Mas o que completa o ser humano é encontrar alguém que diz ‘chef, com o que aprendi lá, hoje estou trabalhando em tal lugar. Estou com minha vida encaminhada. Saí da depressão.’. Isso não tem preço”, lembra Diamante.