Histórico: mulheres são a força motriz do 51º Festival de Brasilia
Com a palavra, elas! Realizadoras comentam representatividade feminina na Mostra Competitiva do tradicional evento
atualizado
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O Metrópoles reuniu algumas das figuras que se destacaram no Festival dos Festivais deste ano, para dar ainda mais voz às profissionais do cinema brasileiro. Diretora do longa Torre das Donzelas (RJ), documentário sobre o cárcere de presas políticas da ditadura, Susanna Lira reitera a legitimidade desta ocupação das cineastas. “O melhor de tudo é estarmos todas aqui por merecimento, porque os filmes são bons, e não só por sermos mulheres”, ressalta.
Apesar da reconhecida e premiada trajetória de 15 anos no cinema, pela primeira vez Susanna foi selecionada pelo festival. Ela vê o momento como oportuno e simbólico. “As últimas pesquisas da Agência Nacional do Cinema [Ancine] mostram o quanto ainda temos de avançar nessa luta. Mas ter essa representatividade [no festival de cinema] em Brasília, que é um dos [eventos] mais importantes da América Latina, já é um marco e um passo muito importante para a gente. Aponta para um novo horizonte para nós, mulheres”, considera.
De acordo com Beatriz Seigner, diretora de Los Silencios (SP), filme que concorre na categoria de longas, a curadoria de Brasília entra na onda da vanguarda ao trazer representatividade e a mais interessante seleção da produção atual. “É muito importante esse espaço para exibirmos nossa potência, pesquisas e pontos de vista”.
Seigner chama atenção para o fato de diretoras carregarem consigo outras mulheres para as cabeças de equipe, postura que, segundo ela, interfere em mudanças sutis e ao mesmo tempo muito fortes na linguagem da obra.
Dificilmente você vai ver aquela câmera de baixo para cima mostrando a bunda da atriz ou cenas constrangedoras de agachamento, de uma forma forçada. Nós nos preocupamos em trazer outros corpos, não só o padrão do cinema hegemônico, além de termos diálogos femininos que não tratam apenas sobre homens
Beatriz Seigner, diretora
Já Glenda Nicácio, que assina a direção de Ilha (BA) com Ary Rosa, reforça o poder da união das realizadoras. “Os direitos das mulheres estão sempre sendo violados, e o agora é sempre momento de ocupar. É muito importante para o coletivo ter tantas mulheres articuladas desenvolvendo, cada uma em suas regiões, diversos tipos de cinema”, salienta. “É necessário não colocarmos as produções femininas dentro de uma caixinha. Nós podemos falar sobre qualquer coisa que quisermos sem delimitar um espaço de fala”, conclui.
Em seu depoimento, Victória Álvarez, codiretora de Bloqueio (PE/RJ), ao lado de Quentin de Delaroche, lembra como foi a sua contribuição durante as filmagens do documentário em um ambiente majoritariamente dominado por homens, a greve dos caminhoneiros. “Para mim, seria impensável representar este momento como sendo exclusivamente masculino. Havia mulheres nos pontos de bloqueio, mulheres caminhoneiras, esposas que viajavam junto com seus maridos e filhos, outras em casa, mas presentes naquele universo por meio de conversas de telefone. Não filmá-las seria como silenciá-las, fazer como se elas não existissem, só por não serem a maioria ali. Se o filme tivesse sido feito apenas por um realizador, acredito que ele não teria tido esta mesma necessidade”, afirma.
Políticas públicas como pontapé inicial
Alice Andrade Drummond, diretora do curta Mesmo com Tanta Agonia (SP), reafirma a necessidade de projetos de seleção com apoio a jovens cineastas. Ela também questiona as mudanças no processo seletivo do edital da Ancine. “Eu só conseguir realizar esse curta porque eu passei no edital afirmativo para todas as minorias. Eu acho fundamental que esses mecanismos existam, mas não sejam temáticos, como agora o Minc [Ministério da Cultura] propôs. Devem ser livres, para a gente falar sobre tudo”, avalia.
Segundo Alice, se as mulheres estão aqui em maior número, em 2018, é porque surgiram editais mais afirmativos nos últimos anos. “O cinema é um lugar de debate, de pensamento social e político. É trágico a pontuação de curtas não contar mais, isso para qualquer pessoa, em especial para as mulheres e todas as outras minorias”, completa.
Codiretora do curta brasiliense Aulas que Matei (DF), gravado na região de São Sebastião com a participação da comunidade, Amanda Devulsky diz que o 51º Festival de Brasília é fruto do trabalho de mobilizações anteriores, da criação de coletivos e outros festivais independentes.
“São muitas ações que desembocam nesse cenário visto por nós agora. Assistir a essas discussões ocuparem um lugar central nesta edição é incrível. Nossa função segue a mesma: gerar debate, diálogo e encontro”, explica. Para ela, a representação feminina precisa ir além, ocupando as curadorias e críticas de cinema, ao lado de outras minorias, como negras, indígenas e LGBTQ+.
Caminho até a igualdade de gêneros ainda é longo
Gabriela Amaral Almeida, diretora de A Sombra do Pai (SP), celebra a participação feminina no festival, mas lembra que a indústria cinematográfica ainda está longe do ideal. “A curadoria de Brasília dá um passo à frente, no sentido de se preocupar com pontos como de onde vêm essas obras, qual a potência delas. Mas, quando vamos para o mercado, não vemos tantas mulheres efetivamente no jogo”, ressalta.
“Nestes pouco mais de 120 anos de cinema, nossos corpos foram muito mais explorados e evidenciados que o nosso olhar”, salienta Maíra Carvalho, diretora de arte do longa-metragem brasiliense New Life S.A. (DF). Segundo ela, o caminho até a igualdade real de gêneros ainda é longo, e alerta: a representatividade feminina na Mostra Competitiva do Festival de Brasília não se repete no restante da programação.
Na Mostra Brasília, por exemplo, são somente cinco diretoras em um total de 21 filmes. E, além disso, as fichas técnicas das obras, em geral, seguem sendo mais masculinas que femininas
Maíra Carvalho