O amor pelo futebol não tem gênero
Peço licença para compartilhar com vocês minha história, que é também de muitas mulheres que todos os dias lutam para fazer o que amam
atualizado
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Desde criança sempre fui apaixonada por futebol. Na minha cabeça, o esporte nunca foi coisa só de menino. Eu estava certa, de fato, não é? Mas explica isso para uma sociedade machista? Em relação à minha família, nunca tive problemas. Sempre incentivavam que eu praticasse esportes e frequentasse os gramados. Me sentia à vontade no estádio, torcia, vibrava, era fanática. Até que um dia, esse mundo quase perfeito desmoronou.
Eu devia ter uns 14 anos, uma criança ainda. Ia sempre ao estádio com a minha prima, e quando o jogo acabava, esperávamos nosso primo, que era repórter da rádio local, fazer a coletiva de imprensa para pegarmos carona. Nosso ponto de encontro era sempre próximo à porta de acesso às entrevistas.
Nesse dia, o time havia perdido e estava enfrentando problemas com a torcida. Estávamos nós duas, naquela porta, esperando. Até que um torcedor, adulto, praticamente senhor, veio em nossa direção, apontando os dedos e gritando com toda sua ira: “Suas vadias! Por isso que o time está desse jeito! Suas piranhas! Vocês acabaram com o time!”
Não tive reação. Fiquei perplexa com a situação enquanto algumas pessoas riam. No entanto, respondi a ele algo que não me lembro até hoje.
Quando escolhi meu curso de Educação Física, não desisti do futebol. Queria ser preparadora física de um grande time. E, no caminho, me apaixonei pela arbitragem e, com ela, pude realizar meu sonho: fazer parte de um jogo como árbitra assistente. Sou muito agradecida a todas as guerreiras da arbitragem que abriram caminho para que outras mulheres tivessem a oportunidade de estar ali onde eu estava.
Sempre me dediquei muito ao futebol, era a minha vida. Deixei de ir em todas as festas de faculdade para fazer jogos amadores no interior, passei nos testes masculinos, deixei de lado minha profissão, não passava mais os finais de semana em família.
Minha carreira foi bem meteórica. Aos 22 anos já fazia série A. Até que em um clássico entre Atlético-MG e Cruzeiro, cometi um erro. Todos os assistentes cometem erros. Bobos, médios e graves. Mas o erro de uma mulher no futebol? Imperdoável! Um dirigente falou publicamente que eu estava querendo me promover com o esporte, que eu deveria posar para uma revista masculina em vez de estar dentro de campo! Minhas redes sociais foram infestadas por comentários machistas e ameaças de morte.
Tudo bastante cruel. Meu sonho de menina, dedicação, conquistas, destruídos por eu ser mulher. Criei casca, mesmo tendo que brincar para escapar de assédios. Nós mulheres aprendemos, infelizmente, a sobreviver de alguma maneira com o machismo e esse erro é muito maior do que um impedimento mal marcado.
Minha carreira nunca mais foi a mesma, pois sempre tive de provar tudo para todos. Saí da arbitragem, mas não do esporte. Fiz um livro de regras para crianças chamado Vamos Jogar Futebol e me especializei em jornalismo esportivo. Agora estou assinando esta coluna do Metrópoles sobre o mundo do futebol e do apito. Os textos estarão disponíveis todas as segundas-feiras e claro, mulheres, homens, estão todos convidados!
Não desisti do que eu amo, não desisti do futebol. E o principal, parei de me culpar por ser mulher, pois isso é uma dádiva! Mulheres, sigam firmes naquilo que vocês amam e acreditam. Mundo, tratem as mulheres com o respeito que merecem, não apenas no dia 8 de março, mas todos os dias.
Natural de Criciúma (SC), Fernanda Colombo mora no Rio de Janeiro (RJ). Formada em educação física com especialização em jornalismo esportivo. Ex-bandeirinha da CBF aspirante à FIFA. Escritora, apresentadora e comentarista de arbitragem.