“Depois do dopping, fui seis vezes o melhor jogador do mundo”, diz Giba, ao “Metrópoles”
Em biografia, ex-jogador não omite doping de maconha e espera direcionar fãs para que não cometam o mesmo erro
atualizado
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Como começar um livro sobre uma carreira vitoriosa, que contempla três medalhas olímpicas e três títulos mundiais em uma das gerações mais vitoriosas do esporte brasileiro? Gilberto Amauri Godoy Filho, ou simplesmente Giba, um dos maiores ponteiros da história do vôlei, inicia a biografia contando os bastidores do caso de doping por uso de maconha, em 2003, quando atuava na Itália e que acabou sendo uma mancha na brilhante trajetória do atleta.
Em entrevista ao Metrópoles, durante o evento de lançamento de seu livro na cidade, Giba diz ter abordado vários temas polêmicos na publicação. “Só pensei em como escrever, mas não deixei de colocar”, assume. A opção de tratar o assunto logo no início da obra teve uma razão: fazer com que as pessoas que o consideram um ídolo não cometam os mesmos erros. Durante o bate-papo, o jogador ainda fez questão de enaltecer o levantador Ricardinho e o atual técnico da seleção brasileira, Bernardinho. Confira.
Metrópoles – Como foi a saga de colocar toda a sua história profissional e pessoal em um livro?
Giba – Tive o intuito de inspirar as pessoas, contar um pouco da minha história desde a época da leucemia até o término. O livro já era uma coisa pensada. Queriam fazer desde 2008, mas falei que não faria até o fim da minha carreira. Deixei a seleção em 2012 e em 2014 me aposentei de vez.
Você era uma das principais referências da seleção. Como você vê a equipe hoje? Falta uma referência lá dentro?
A referência foi montada e a gente ficou nas seleções de 2008 e de 2012 para isso, para passar experiência. O Bruninho, o Murilo, que hoje é um dos mais veteranos, Sidão, toda essa galera conseguiu absorver. A seleção está em boas mãos.
E quanto à chamada “Bernadinhodependência”. Existe isso?
Ele está lá porque mostra trabalho e eficiência. O trabalho dele funciona e funciona muito bem. Não foi a toa que a nossa geração, que disputou 45 campeonatos, ganhou 39. Mas isso foi com a nossa turma. Cada geração é diferente. Não foi o Brasil que piorou, mas as outras seleções cresceram bastante.
Como você vê a crise de corrupção que envolveu a Confederação Brasileira de Vôlei? Você chega a citar isso na obra?
Eu não coloquei nada, pois não tenho nada a ver com isso. Participei, mas dentro da quadra. E não fora. Não tive contato com essa parte de administração. Quando explodiu, eu já tinha parado. Então, eu não me preocupo se tiraram algo da gente ou não. O que a gente precisou na época, nós recebemos. Toda estrutura, dinheiro, apoio psicológico e comodidades, para sermos campeões, nós tivemos. Algumas pessoas me perguntam: “O que você acha da seleção de futebol?”. Não sei, não estou lá dentro. Não sei o que passa na cabeça das pessoas e não sou apto a dar opinião sobre isso.
O que fez a sua geração ser tão vitoriosa? Acredita que haja alguma outra que chegou ao mesmo nível?
Eu acho bem difícil. Não só no Brasil, mas como em qualquer lugar do mundo. Começamos juntos no infanto-juvenil. Todo mundo cresceu junto, passou perrengue junto, todos viram os filhos dos outros crescerem. Essa união fez com que dentro de quadra a gente realmente tivesse aquela gana nos olhos e dizer: ninguém vai tirar isso da gente, porque ninguém ralou mais do que a gente. Isso foi o principal fator. Depois, tudo foi acontecendo aos poucos. Não foi só a geração. Foi a comissão inteira. São vários fatores que fizeram com que a gente ficasse no topo.
No livro você conta a história do doping na Itália. Como esse episódio impactou a sua carreira?
O doping foi uma mudança em minha vida. Depois do doping eu fui eleito seis vezes o melhor jogador do mundo.
Na ocasião eu tive que decidir: ou eu enfiava a cabeça no buraco ou levantava e assumia o erro que tinha feito
Giba
Sou humano e também posso errar, basta não persistir no erro. Sábio é aquele que aprende com o erro dos outros. Espero que quem ler o livro ou acompanhou o episódio não cometa o mesmo erro.
E sobre o Ricardinho?
Fiz questão de exaltar o fato dele ser o melhor levantador de todos os tempos, na minha opinião. Era um maestro. Porém, sempre o grupo vai prevalecer em cima do individualismo.
E você vê o Bruninho hoje como um dos melhores levantadores do país na atualidade?
O nome do Bruninho é excelente. Deu para ver agora, quando ganhou a Copa dos Campeões da Itália, fez a final (do Mundial) do ano passado, ganhou vários torneios aqui no Brasil. Não existe outro nome. Temos o Willian, bicampeão brasileiro, o Rafa que foi tricampeão da Itália, da Supercopa. São os três nomes certos que o Bernardo tem na seleção.
Já caiu a ficha da aposentadoria?
Ih… Já, há muito tempo. (Risos)
E esses novos projetos. Há até livro de gastronomia no meio. É isso?
Pois é. Vai ser o “Giba bom de garfo” que é um programa de culinária sobre todos os pratos que aprendi ao redor do mundo por onde viajei. Tenho também outros projetos de sustentabilidade. A aposentadoria é um passo para a nova vida. Comecei cedo, com 15 anos, e parei com 37. Nada mais justo do que partir para uma nova fase da vida, mas de maneira pensada e planejada.
Qual o prognóstico para essa seleção nos Jogos Olímpicos?
As duas seleções têm condições plenas de medalha. Qual medalha eu não sei.
Entre os cinco times de elite do mundo, eles ainda continuam lá. Tenho fé neles e, comentando, irei torcer bastante.
Giba
Você ganhou uma medalha de ouro e duas de prata. O sabor da prata é amargo, mas é uma medalha olímpica. E muito brasileiro não valoriza…
É bem por ai. Uma vez o Bryan Ivie (ex-jogador de voleibol dos Estados Unidos) falou que trocaria todas as medalhas dele por uma medalha de bronze olímpica, por conta do valor que o americano dá para uma conquista olímpica. Eu não tenho vergonha nenhuma. A amargura da prata é só no momento, porque ninguém gosta de perder, e a nós, por sermos vitoriosos, não gostávamos de perder. Mas o fato de sermos duas vezes medalhas de prata…
Quem vai para a Olimpíada e simplesmente recebe um diploma já sai de lá feliz. Imagine ser medalhista
Giba
É como eu sempre brinco: prata na Olimpíada? Cara, como vocês vão lembrar da nossa geração? Fomos uma vez medalha de ouro e duas vezes medalha de prata. Tricampeão mundial consecutivo. Então, não tenho vergonha de ter sido prata olímpico.