Saúde mental continua sendo motivo de polêmica e estigma entre atletas
Após se mostrarem vulneráveis, Lewis Hamilton e Paul George receberam apoio e também críticas
atualizado
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Hexacampeão da Fórmula 1 e um patrimônio avaliado em cerca de 285 milhões de dólares. O piloto britânico Lewis Hamilton tem a vida que muitos de nós gostaríamos, aparentemente sem problemas ou preocupações, certo? Errado. Nessa semana, o atleta fez uma postagem revelando que, junto do “piloto competitivo, letal, faminto”, convive uma personalidade cheia de “medos, inseguranças e dúvidas”.
“Eu também tenho muitos dias difíceis. Especialmente na bolha em que estamos atualmente. Você se sente solitário, sente falta dos amigos e da família e, com corridas consecutivas semanas após semanas, isso significa que não há muito tempo para nada além do trabalho”, escreveu Hamilton em seu Instagram.
Durante muito tempo, atletas foram vistos como avatares de força, persistência, invencibilidade. Uma existência quase sobre-humana. Apenas recentemente jogadores, de países e modalidades diferentes, têm utilizado a imprensa e suas próprias redes sociais para falar sobre saúde mental e revelarem que, assim como nós, lidam com baixa autoestima, insegurança e tristeza. Condições que podem se intensificar durante o isolamento de uma quarentena. É o que aconteceu com Paul George, jogador de basquete do Los Angeles Clippers, da NBA.
Para conseguir retomar a temporada, a NBA montou uma bolha em Orlando, na Flórida. A disputa começou no fim de julho e, para os times que chegarem até a Final — como se espera do time de George –, só terminará em outubro. Ou seja, cerca de três meses de isolamento do mundo exterior, sem contato com familiares.
George sentiu os efeitos da solidão, como admitiu após jogos abaixo da expectativa na primeira rodada dos playoffs. “Eu subestimei a questão da saúde mental, honestamente. Eu tive ansiedade e um pouco de depressão. Estar isolado aqui (na bolha), eu não me sentia presente. Eu desisti”, afirmou, em uma coletiva após uma partida particularmente ruim.
Clippers’ Paul George said he talked to psychiatrist after slump before Game 5 breakthrough: “I underestimated mental health, honestly. I had anxiety and a little bit of depression. Being locked in here (in the bubble), I just wasn’t there. I checked out.” pic.twitter.com/rwOzAnxSKK
— Ben Golliver (@BenGolliver) August 26, 2020
“É uma situação conflitante. O atleta gosta do jogo, de estar próximo a sua prática esportiva. Porém está longe da torcida, isolado de seus familiares, convivendo com poucas pessoas e com várias restrições. É hora de um olhar cuidadoso de dirigentes e responsáveis”, alerta a psicóloga esportiva Mariana Moura. “No âmbito pessoal, é hora de cada um intensificar suas práticas e cuidados pessoais, manter-se atento aos sinais de que algo não está indo bem e buscar apoio familiar e psicológico, se possível”, aconselha.
Reações
Por ser um movimento relativamente recente, as reações à sinceridade com que os atletas têm oferecido detalhes sobre sua saúde mental nos últimos tempos ainda têm sido difusas. Enquanto Hamilton encontrou suporte esmagador, em sua maioria, após seu post, Paul George sofreu com duras críticas de importantes jogadores do passado da NBA.
“Eu não acho que caras que ganham milhões de dólares deveriam estar preocupados porque eles estão presos em um lugar onde eles podem pescar, jogar golfe, basquete e ganhar milhões de dólares”, afirmou Charles Barkley, uma lenda da NBA dos anos 1980 e 1990. “Nós somos as pessoas mais sortudas do mundo, porque nós driblamos uma bola e ganhamos milhões. Nós nunca estamos mal. Eu só acho que nós precisamos tomar cuidado com o que reclamos”.
Raja Bell, outro jogador que marcou época nos anos 1990, foi mais direto ao “aconselhar” George: “Guarde essa merda para você. Ninguém quer escutar isso”.
Apoio
Embora Paul George tenha sido duramente criticado, ele também encontrou apoio de colegas. Além de seus companheiros de time terem saído em sua defesa, Kevin Love, um dos jogadores que liderou o movimento de discussão sobre saúde mental, parabenizou PG pelas palavras e reconheceu a importância de um jogador do calibre do craque do Clippers abordar assuntos como depressão e ansiedade.
@Yg_Trece stepped up in a big way last night!!
On another note, post game speaking about being in a “dark place” and underestimating the effects of mental health, depression, anxiety — is HUGE coming from a player of his caliber.
Was always a fan of PG but now even more so…
— Kevin Love (@kevinlove) August 26, 2020
O problema então parece ser uma questão generacional. Enquanto atletas do passado veem essa discussão como uma “desculpa” para eventuais jogos ruins, jogadores contemporâneos se sentem confortáveis o suficiente para abraçar suas falhas e vulnerabilidades.
“É uma situação que transcende o esporte. A sociedade insiste nesse pensamento errôneo e equivocado que atrela bem estar material a saúde mental. São questões distintas e ter atletas entendendo que buscar ajuda profissional para resolver seus conflitos mostra para a geração anterior que existe vulnerabilidade no esporte e na vida”, esclarece Mariana.
Como Hamilton aconselhou, “…nunca é ruim pedir ajuda se precisar, ou dizer a alguém como você se sente. Mostrar seu lado vulnerável não o torna fraco. Pelo contrário: gosto de pensar nisso como uma chance de nos tornarmos mais fortes e melhores do que éramos. Onde quer que você esteja no mundo, espero e oro para que saiba que é incrível, talentoso, bonito e forte, e não importa o que digam, você pode fazer quase tudo que colocar em sua mente. Tudo que você precisa fazer é acreditar e fazer o trabalho”. Conselho de hexacampeão.