Novo código prevê advertência para consumo de maconha e cocaína
Atleta que comprovar uso de droga com fim social não será mais suspenso pela Wada a partir de 2021
atualizado
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A Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) alterou seu código disciplinar. A partir de 2021, a agência não punirá mais atletas por uso de drogas sociais, como maconha e cocaína. Para isso, terá de se provar que a utilização da substância proibida não teve como finalidade melhorar a performance.
A revelação foi feita pelo coordenador da Comissão Médica e de Combate à Dopagem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Fernando Solera. A nova conduta muda a forma de punir e olhar atletas pegos no doping do mundo inteiro, mas só começa a valer após os Jogos Olímpicos de Tóquio.
“A partir de 2021, quem comprovar o uso [de maconha ou cocaína] para fim recreativo não receberá mais punição de quatro anos, como acontece hoje. Terá apenas uma advertência”, explicou.
A Wada confirmou a informação por meio de sua assessoria de imprensa. “Percebemos que nos casos que um atleta tem problema com droga e não está tentando se beneficiar com ganho em performance, a prioridade deve ser com a saúde dele. Isso é mais importante do que impor uma longa sanção esportiva”, escreveu a agência mundial antidoping. A mudança foi definida durante simpósio mundial da entidade, realizado entre os dias 5 e 8 de novembro na cidade de Katowice, na Polônia. Solera representou o Brasil e confirmou ter assinado o documento para a nova legislação. No entanto, ele faz algumas ressalvas.
“O código mundial não depende da minha vontade. Estou preocupado porque a interpretação é problemática. Já está definido e todos assinamos o acordo. Não concordei em mudar a legislação vigente, mas assinei”, admitiu.
O brasileiro sabe que a nova medida impactará todas as entidades antidoping do mundo e será necessária a criação de um departamento especializado para acompanhar o histórico do resultado do exame. No código anterior, saía o resultado na urina e pronto, cumpria-se a regra estabelecida: quatro anos de suspensão sem perdão. Isso agora vai mudar.
A partir de 2021 será necessário descobrir que horas foi usada a substância, quando ocorreu a partida, saber melhor o histórico do atleta e tentar entender onde e por que ele consumiu a droga. “Como vai se provar que usou para obter melhora esportiva? Temos de definir bem isso. Vai entrar uma ação muito importante que é a gestão do resultado. Exageradamente importante. O problema é nosso e temos de buscar soluções.”
Item 24
A mudança substancial do código é detalhada no seu item 24. A nova legislação está disponível no site da Wada e foi desenvolvida nos últimos dois anos. A entidade justifica a alteração com base em muitas análises e cita ponderações como no uso da cocaína, que também pode melhorar a performance de um atleta.
“O que se nota frequentemente é que a quantidade detectada nos exames antidoping durante a competição é pequena, o que sugere fortemente que o uso ocorreu fora do torneio, em um contexto social, sem afetar o desempenho esportivo.”
As substâncias que entrarão nesse contexto ainda não estão todas definidas, pois há muitas drogas sintéticas de origens variadas. A Wada destinará um grupo de peritos para identificar na lista de substâncias proibidas quais são frequentemente usadas “socialmente”. Quando o atleta for flagrado com uma dessas substâncias, deverá provar que o uso ocorreu fora da competição e não estava relacionado ao desempenho esportivo.
No momento que a contraprova der positiva, haverá uma punição automática de três meses ao esportista. O atleta poderá reduzir esse período de inelegibilidade para um mês se aceitar entrar para um programa de reabilitação. Se ele não provar que usou a droga fora da competição, aí sim será suspenso por quatro anos, como é a regra atual.
Reinvindicação
A mudança no código atende, de certa maneira, a uma reivindicação da Athletes for Care, organização sem fins lucrativos que reúne mais de 150 atletas e ex-atletas com base nos Estados Unidos. Em maio, a entidade divulgou uma carta pedindo à Wada para retirar a cannabis de sua lista de substâncias proibidas. Entre os nomes que assinam o documento, estão Mike Tyson (boxe), Jim McMahon (futebol americano) e Frank Shamrock (MMA).
“Embora a cannabis e o THC apoiem o bem-estar geral, auxiliando no alívio da dor e no descanso, não há evidências de que eles melhorem o desempenho esportivo. A cannabis e seus componentes, incluindo o THC, têm numerosos efeitos terapêuticos documentados e uma relativa falta de danos potenciais”, justificou a organização. Com a cannabis sativa é possível produzir duas drogas ilícitas: maconha e haxixe. A substância ativa com poder narcótico presente na cannabis sativa é o THC (tetrahidrocannabinol).
Para lembrar
Casos como o do centroavante peruano Paolo Guerrero, testado positivo para benzoilecgonina, um metabólito da cocaína, do atacante Jobson (cocaína), do uruguaio Gonzalo Carneiro (cocaína), do skatista brasileiro Pedro Barros (maconha) e do nadador Michael Phelps (maconha) não serão mais considerados doping pela nova regra. Mas para isso acontecer, todos eles teriam de admitir o uso da droga e procurar o centro de reabilitação.
Três perguntas para
Fernando Solera, coordenador da Comissão Médica e de Combate à Dopagem da CBF
Todas as entidades esportivas brasileiras são obrigadas a seguir a mudança definida pela Wada?
O fato de o Brasil ser signatário não obriga cada modalidade a ser também, mas, se quiser participar de competição olímpica, terá de se adequar e cumprir as determinações da Wada. No Brasil todos os esportes são signatários.
Você acha que haverá muitas críticas em relação a essa alteração do código?
Estive na discussão como representante do Brasil, mas temos de debater muito sobre esse assunto ainda. No próximo dia 13, às 11h, haverá uma discussão sobre o novo código na OAB-SP. Vai ser complicadíssimo. Mas vamos seguir.
Desde quando existe a determinação de os países serem signatários da Wada?
Na convenção da Unesco em 2005 os países se insurgiram contra a dopagem. O Brasil foi o primeiro signatário por causa de um decreto de lei colocado pelo então presidente Lula (Luiz Inácio “Lula” da Silva), de 2008.