Nenhuma autoridade se responsabiliza pela briga no Mané Garrincha
Mais de 24 horas após os graves incidentes registrados na partida entre Flamengo e Palmeiras no domingo (5/6), nenhum dos envolvidos no evento admitiu culpa sobre os incidentes. Em abril, o Metrópoles noticiou que o MPDFT já se preocupava com as partidas do Brasileirão no DF
atualizado
Compartilhar notícia
Os incidentes na partida entre Flamengo e Palmeiras no domingo (5/6), no Mané Garrincha, quando uma briga entre as torcidas rivais resultou em seis feridos — um em estado grave — e 30 pessoas presas, foram o resultado de um desastre anunciado. Mesmo após o episódio, que aterrorizou famílias que nada tinham a ver com a violência das organizadas e ainda foram afetadas pelo gás de pimenta usado por policiais para conter o tumulto, nenhum órgão ou entidade se responsabilizou pelo ocorrido. Pelo contrário, o que se vê é um jogo de empurra-empurra.
A Polícia Militar culpa o Flamengo ao afirmar, em nota, que os “organizadores do evento não cumpriram o detalhamento de segurança, permitindo que uma torcida ficasse muito próxima à outra”. A Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) informou que havia a previsão de isolar cinco blocos de cadeiras nas arquibancadas distribuídos pelo estádio e que alguns foram ocupados indevidamente pelos torcedores, facilitando o confronto. O Flamengo não se manifestou sobre a acusação.Já a Secretaria de Esporte, Turismo e Lazer — pasta responsável pela gestão do Mané Garrincha —, classificou de “inimaginável” o conflito, e passou a bola para os visitantes de fora. Segundo Jaime Recena, secretário adjunto de Turismo, “não dava para ter imaginado isso”. Segundo ele, “o torcedor de Brasília é respeitoso e, infelizmente, agora estão recebendo torcedores de outros estados”.
Embora nenhum dos envolvidos admita relação com a falta de segurança no Mané Garrincha, para o advogado Rafael Fachada, especialista em direito desportivo, todos têm culpa e poderão ser responsabilizados. “O Flamengo não tem poder de polícia e esbarra em várias limitações. O Estatuto do Torcedor diz que cabe ao governo local fazer um plano de segurança e repassar aos organizadores do jogo, no caso o Flamengo. A PM tinha que dar a palavra final e, se a polícia não conseguiu conter o que houve, a responsabilidade é, sim, do Governo do Distrito Federal (GDF)”, afirma.
Ainda que fale em “limitações” do Flamengo, o advogado ressalta que o clube carioca é culpado enquanto organizador. Segundo o Estatuto do Torcedor, que leva em conta uma legislação da Federação Internacional de Futebol (Fifa), os clubes podem ser responsabilizados pelos atos de seus torcedores, o que também afeta o Palmeiras. “O artigo 211 determina que times que deixam de tomar providências para prevenir e reprimir desordens podem perder até 10 mandos de campo”, explica Rafael Fachada.
Juizado do Torcedor fechado
Na partida de domingo (5), houve outro problema no Mané Garrincha: o espaço onde deveria funcionar o Juizado do Torcedor, no subsolo do estádio, estava fechado. No local, como determina o Estatuto do Torcedor, deveria ser centralizada a investigação e o julgamento de crimes relacionados às torcidas. “As autoridades sabiam que teríamos grandes jogos em Brasília, principalmente do Flamengo, neste ano. Era para o juizado estar valendo. Como Brasília não se programou para essa realidade?”, questiona o advogado.
Flagrante
O Juizado do Torcedor permitiria, por exemplo, uma maior agilidade na identificação dos envolvidos nas brigas. No jogo de domingo, os torcedores foram levados para uma delegacia normal, e não autuados em flagrante, sendo liberados logo depois. Se fossem fichados na unidade especializada, poderiam ficar detidos e ainda responder por crimes específicos de torcidas organizadas, como prevê o artigo 41b, que tipifica a “promoção de tumulto” com pena de 1 a 2 anos de prisão.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) informou que o Juizado do Torcedor funcionou “em caráter provisório” apenas durante a Copa do Mundo de 2014 e que, “provavelmente”, voltará a funcionar durante os Jogos Olímpicos.
Segundo o TJDFT, via de regra, as partidas disputadas no Mané Garrincha não justificam a criação do juizado, já que “aqui não é um núcleo de grandes jogos, e instalar a delegacia especializada custaria muito caro”.
Futuro
Até o fim da tarde desta segunda-feira (6), nenhuma reunião tinha sido realizada para repensar o que deve ser feito para evitar novos confrontos de torcedores no Mané Garrincha, mesmo com novos eventos marcados para o estádio, como a partida entre Flamengo e São Paulo, no próximo dia 19.
A gente ainda vai se reunir com a Secretaria de Segurança Pública e avaliar o que pode ser melhorado. É um problema relativamente novo aqui para Brasília e a gente ainda vai discutir o que fazer
Jaime Recena
Questionado sobre a preocupação quanto à segurança durante a Olimpíada, o secretário adjunto de Turismo disse que nos Jogos Olímpicos será “outra história”, e que os protocolos internacionais de segurança serão devidamente seguidos.
No entanto, no que depender do procurador Paulo Schmitt, o Mané Garrincha será interditado. Além dessa medida, nesta segunda (6), ele denunciou o Flamengo e o Palmeiras ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e pediu que as próximas partidas desses clubes sejam cumprimento de portões fechados.
Ainda que o problema seja “novidade” para representantes do GDF, em abril, o Metrópoles antecipou que, apesar da grande quantidade de jogos do Campeonato Brasileiro envolvendo grandes clubes no Mané Garrincha, as autoridades locais não tinham um protocolo unificado de segurança.
“Este ano, muitos jogos nacionais devem acontecer em Brasília, precisamos pensar no que fazer antes que os problemas apareçam”, afirmou o promotor Paulo Binicheski, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ainda em abril.
Boletim médico
No fim da tarde, a Secretaria de Saúde divulgou nota na qual informou que o flamenguista Evandro Gatto, brutalmente espancado por torcedores do Palmeiras, permanecia internado na Sala Vermelha do Hospital de Base, destinada a pacientes em estado grave.
O resultado da tomografia foi normal e, apesar de o quadro do paciente ser complicado, estava estável. Ainda assim, não havia previsão de alta até a publicação desta reportagem. Evandro tem 48 anos e mora em Petrópolis (RJ).