Parreira elogia estrangeiros, mas defende brasileiros na Seleção
O ex-técnico acha importante o intercâmbio de treinadores, mas pede que a Seleção continue sendo comandada por um técnico nacional
atualizado
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O português Jorge Jesus, no Flamengo, e o argentino Jorge Sampaoli, no Santos, se destacaram na temporada passada no Brasil e, claro, ampliaram o interesse dos times brasileiros por técnicos estrangeiros. Comandante do Brasil no tetracampeonato mundial em 1994 e com mais de meio século de vida dedicado ao futebol, Carlos Alberto Parreira, de 76 anos, agora aposentado, acha importante o intercâmbio de treinadores, mas pede que a Seleção continue sendo comandada por um técnico nacional.
O ano de 2019 no Brasil foi dos técnicos estrangeiros?
Ficou muito pontual pelo sucesso do Jorge Jesus e do Sampaoli. Ficou tudo em cima deles. Mas fica muito rotulado tudo em cima desses dois. Sem nenhuma crítica, nos últimos dez anos vieram uns 14 técnicos estrangeiros para cá e foram fracassos retumbantes. Agora vieram bons treinadores, com boas equipes e o trabalho apareceu. O (Juan Carlos) Osório, o (Ricardo) Gareca, o (Diego) Aguirre, entre outros técnicos estrangeiros bons, vieram e não deram certo. Não é questão somente de competência. É questão de chegar e se ajustar.
Qual foi o diferencial no trabalho de Jorge Jesus?
O Jesus é competente, pegou time estruturado e fez prevalecer a filosofia dele. Tem todo o mérito, mas também contou com uma série de outros fatores. Ele soube passar o que queria, os jogadores compraram a ideia e o Flamengo foi o grande time da América do Sul.
Acha válido técnico brasileiro ir estudar no exterior?
Os brasileiros não têm muito contato com o futebol do exterior. Sou de uma época em que os clubes excursionavam mais para fora. A gente jogava na Espanha, na Itália e não vejo mais esse intercâmbio. Seria interessante ter mais esse contato. Mas essa questão de atualização… falam que o técnico é diferente porque sabe fazer o time sair jogando. Mas qual é o técnico que nunca fez isso? Todo mundo faz há tantos anos.
Qual aprendizado que você carrega em 50 anos no futebol?
Aprendi nos anos 70, quando estudei na Alemanha, que o futebol é atacar e defender com a máxima eficiência e acabou. Ninguém consegue fugir disso. Os time precisam ser eficientes. Não existe um time que faça só uma ou outra coisa. Claro que dependendo da escola de futebol uns têm a tendência mais a buscar o jogo, outros são mais defensivos. Mas, sem equilíbrio, acabou.
O Liverpool tem de ser copiado?
O Liverpool joga demais. Mas naquele time todo mundo sabe jogar futebol. Há uma filosofia bem atual, com intensidade e velocidade, com imposição técnica, tática e física muito grande. Mas o esquema, se você for ver, é bem simples. Uma linha de quatro atrás, três no meio e três na frente. Não tem nenhuma novidade tática. Agora a intensidade e, sobretudo a qualidade técnica, é o que faz a diferença.
Há diferença tática entre o futebol brasileiro e o europeu?
O Liverpool faz um futebol intenso, os jogadores correm em média 12 quilômetros por partida, mas eles jogam a uma temperatura de 9ºC. Vai jogar com 40ºC no verão brasileiro? O ritmo é diferente. Eles nunca vão ser tão criativos quanto nós. Portanto tem que haver equilíbrio. A gente já faz a compactação de linhas. Mas com a nossa temperatura, querer a mesma intensidade da Europa, é impossível. Aqui tem que ser mais cadenciado mesmo.
E entre técnicos brasileiros e europeus?
Quando me perguntavam isso há 15, 20 anos, notava que na Europa só trabalhava quem fazia curso de formação, que tinha as licenças. Era obrigatório. E um curso de formação acrescenta muita coisa, mais base tática, conhecimento de administração. E aqui no Brasil era mais empírico, pragmático. O jogador se aposentava em um dia e no dia seguinte virava técnico. Mas estamos acabando com isso porque agora a CBF está com os cursos.
Qual é a importância disso?
Todo mundo sabe o que é marcação sob pressão, a dificuldade é encontrar condições para fazer isso. Qualquer profissional, de qualquer área, precisa de um curso de formação. A tendência é uma pessoa sem formação não dar certo. A única exceção foi o Zagallo, que é um privilegiado, é o maior autodidata da história do futebol. Ele fez inovações. Em 1962 fomos o primeiro país do mundo a jogar no 4-3-3 porque o Zagallo voltava para ajudar na marcação porque o Nilton Santos já tinha 37 anos.
O sucesso dos estrangeiros causa inveja nos brasileiros?
Os estrangeiros são bem-vindos. Ninguém está contra. Tenho conversado com vários técnicos. Ninguém trata com inveja, não vejo ressentimento. O intercâmbio é salutar. Que venham mais, que venham alemães, ingleses, a troca é sempre boa. O Felipão, Mano, Cuca são grandes técnicos. Mas a cobrança é grande, ninguém tem paciência, exige-se resultados imediatos. O Odair Hellmann começou uma carreira promissora. O Fernando Diniz está tentando se firmar, ele tem ideias boas. Tem gente muito promissora chegando, não existe caos.
O técnico, de uma maneira geral, é supervalorizado?
Não adianta um bom técnico sem um ambiente favorável. Não adianta contratar técnico se não há uma boa gestão, se não há um elenco de bom nível técnico, se os jogadores não comprarem a ideia. Se não houver empatia no vestiário também não dá certo. Não basta só conhecimento técnico. Tem técnicos carismáticos que não encaixa às vezes. O Jesus conseguiu porque teve empatia e os resultados vieram muito rápidos, isso facilita.
O que acha de um técnico estrangeiro na Seleção Brasileira?
Este é um tema que nunca encarei de frente. Ainda prefiro dar preferência para os brasileiros. A gente tem muito técnico competente aqui. O Tite está fazendo um bom trabalho. Não precisa de técnico estrangeiro para ser campeão do mundo. Fomos cinco vezes campeão do mundo com técnico brasileiro.