No Dia do Orgulho LGBT, homofobia ainda marca presença no futebol
Após o ex-jogador Richarlyson se assumir bissexual e a a discussão ter movimentado as redes, o futebol brasileiro ainda não é tão inclusivo
atualizado
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O Dia do Orgulho LGBTQIA+, celebrado nesta terça-feira (28/6) em todo mundo, coloca luz em debates que ficam apagados durante o resto do ano. O futebol brasileiro, um desses espaços onde a homofobia é recorrente, ganhou um novo episódio na última semana após o ex-jogador Richarlyson se assumir bissexual.
A notícia movimentou as redes e o debate sobre a homofobia dentro dos gramados se reacendeu, principalmente pelo fato de o ídolo do São Paulo ter sido o primeiro astro da modalidade a se assumir no Brasil.
Em entrevista ao podcast Nos Armários dos Vestiários, série jornalística que detalha a homofobia e o machismo no futebol brasileiro, o jogador, que passou a maior parte da sua carreira tendo de lidar com episódios preconceituosos e comentários sobre seu “jeito”, afirmou que o maior debate deve ser sobre os problemas no futebol, e não sobre a sexualidade do atleta.
“Vai pintar uma manchete que o Richarlyson falou em um podcast que é bissexual. Legal. E aí vai chover reportagens, e o mais importante, que é pauta, não vai mudar, que é a questão da homofobia. Infelizmente, o mundo não está preparado para ter essa discussão e lidar com naturalidade com isso”, pontuou ele.
Ainda que a discussão tenha movimentado cada vez mais as redes sociais, o futebol masculino no Brasil não é tão inclusivo. Na Inglaterra, por exemplo, o primeiro jogador a assumir sua homossexualidade foi Justin Fashanu, 1990. Foram mais 32 anos até que o próximo jogador britânico também falasse sobre sua verdadeira orientação sexual, Jake Daniels, do Blackpool, tomou os noticiários do mundo depois de dizer ser gay.
Enquanto a passos lentos eles tomam a iniciativa de enfrentar o preconceito, episódios de homofobia acontecem constantemente dentro dos estádios. Um exemplo recente é o grito das torcidas, que ainda insistem em utilizar termos pejorativos para provocar os adversários.
Esse tipo de violência é a mais sofrida pela comunidade LGBTQIA+. De acordo com relatório divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), baseado em dados obtidos pelo Disque 100 em 2017, cerca de 35% das denúncias eram relacionadas a agressões psicológicas, representando a maior parcela dos registros.
O fato se torna ainda mais importante quando um levantamento feito pelo portal O Contra Ataque é observado. De acordo com os dados, até 2016 não existia qualquer menção dos clubes de futebol brasileiros aos torcedores LGBTs. O posicionamento só começou a partir de 2017.
Além disso, o levantamento mostra que, em 2020, 17 dos 20 times de maiores torcidas no país decidiram fazer publicações sobre o Dia do Orgulho LGBTQIA+ e sobre o Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia, que acontece no dia 17 de maio.
Um olhar clínico
A psicóloga Clara Parente explica que o tabu relacionado à sexualidade dos jogadores de futebol acontece por conta da modalidade carregar historicamente “uma pedagogia de gênero e sexualidade muito forte, que incentiva e reproduz discursos sobre o comportamento esperado dos atletas e, consequentemente, de seus torcedores”.
“Esses discursos, atravessados por diversas concepções de masculinidade e feminilidade e partindo de uma lógica heterocentrada, sexista e homofóbica, podem inclusive ser instrumentos de repressão, dominação e violência“, pontua ela.
Parente também aponta que esse tabu acaba criando um medo nos jogadores. O temor, por sua vez, pode afetar de maneira negativa a saúde mental dos atletas e prejudicá-los em inúmeras áreas da vida.
“Esconder-se de sua sexualidade ou não se assumir, muito mais do que apenas controlar os próprios comportamentos, também traz o medo de vivenciar diversas violências nas suas mais diversas modalidades – física, psicológica, moral, institucional. Mais do que o medo de ser quem realmente é, o medo constante da violência faz muito mal e pode sim trazer prejuízos à saúde mental”, explica a especialista.
Segundo a psicóloga, é importante lembrar que a sexualidade “é um elemento constituinte da identidade” e que reprimir uma parte que faz parte da sua essência “pode ser uma necessidade de proteção”, mas também é “uma forma de nos violentar e trazer uma série de consequências para o desenvolvimento psíquico e identitário”.
Clara Parente lembra que, quanto mais jogadores LGBTs conseguirem utilizar os espaços de visibilidade a seu favor, mais crianças e jovens da comunidade vão encontrar, ao lado de suas famílias, possibilidades palpáveis de futuro e de pertencimento a espaços esportivos.
Apesar de o futebol brasileiro estar pedindo por reformulações profundas em sua cultura, o processo nem sempre é rápido e tranquilo. Mesmo assim, com uma construção lenta, difícil e cheia de disputas, a mudança é extremamente necessária.
“Não é fácil, mas precisamos estar juntos e trazer para o debate público questões relevantes como essa. Não é preciso ser especialista em saúde mental para entender os prejuízos que a violência causa. Mas é preciso estar disposto a questionar os próprios ideais para acolher os outros e construir um mundo melhor, dentro e fora do campo”, finaliza ela.
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