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Na contramão da pandemia, países com regimes totalitários mantém jogos

Belarus, Turcomenistão, Tajiquistão e Nicarágua mantiveram os calendários ativos. Em alguns casos, até o público foi liberado nos estádios

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Natalia FedosenkoTASS via Getty Images
Jogo da Liga Profissional de Belarus
1 de 1 Jogo da Liga Profissional de Belarus - Foto: Natalia FedosenkoTASS via Getty Images

Enquanto o mundo do futebol discute possíveis medidas para a retomada das competições, em pontos espalhados pelo mundo, elas sequer pararam. Belarus, Turcomenistão, Tajiquistão e Nicarágua foram os países que, em meio à pandemia do novo coronavírus, deram de ombros para o problema e seguiram com os jogos. Além da teimosia diante da grave situação sanitária, as nações compartilham também de outra semelhança fora das quatro linhas: todas são governadas por regimes totalitários.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 200 mil pessoas já morreram vítimas da Covid-19. O total de infectados já passa de incríveis três milhões. Mesmo assim, alguns ditadores insistem em ignorar a potência do coronavírus, como explica Leandro Gabiati, mestre em ciência política pela UnB. Segundo ele, esporte e política têm grande ligação desde a antiguidade.

“Na Guerra Fria, o esporte foi mais um campo em que as potências disputaram a liderança mundial. As Olimpíadas e as Copas do Mundo foram exemplo disso. Antes da Guerra Fria, temos os jogos em Berlim, oportunidade em que Hitler tentou utilizar o esporte para exaltar a superioras da ‘raça ariana'”, destaca.

Em Belarus, por exemplo, o presidente Aleksandr Lukashenko, há nada menos que 26 anos no poder, não tem poupado palavras contra a pandemia. Ele, inclusive, chegou a sugerir medidas consideradas esdrúxulas para combater o coronavírus, como tomar vodka e fazer sauna. O mandatário da ex-república soviética também foi flagrado jogando hóquei no gelo em plena pandemia.

Apesar dos arroubos de juízo do chefe da nação, os próprios bielorrussos têm mantido o distanciamento social por conta própria. Em uma partida no país, um time inovou e colocou manequins nas arquibancadas, representando os torcedores que não quiseram ir ao estádio por causa da pandemia.

“Geralmente presidentes populistas tentem a ignorar fatos científicos. A ciência e a academia são vinculadas a um pensamento crítico e independente. E tudo aquilo que contradiz os líderes populares, deve ser atacado. Por tanto, se a ciência diz que é necessário manter distanciamento, os líderes populistas farão exatamente o contrário. Irão ignorar essas orientações. Manter o andamento dos campeonatos de futebol entra nessa linha de ação”, sentencia Gabiati.

Para se provar que o futebol anda a todo vapor no país, a sétima rodada da Vysshaya Liga, principal torneio local, teve início nessa quinta-feira (30/04). Os jogos continuam nesta sexta-feira (01/05) e sábado (02/05). O FK Slutsk lidera a competição, com 13 pontos.

Tensão no Turcomenistão

A pouco menos de três mil quilômetros de distância, outra ex-república soviética trata com desdém a pandemia da Covid-19. No Turcomenistão, até mesmo a palavra coronavírus foi banida. Lá, entretanto, houve uma breve paralisação do campeonato nacional. Nas últimas semanas, entretanto, os jogos foram retomados, pasme, com a presença de torcedores. Cerca de 300 testemunhas assistiram ao empate por 1 x 1 entre FK Altyn Asyr e Köpetdag. O jogo, que colocou frente a frente o atual campeão do país e o atual líder do campeonato local, é considerado um clássico turcomeno.

A população local também parece aderir ao negacionismo dos governantes. Após a partida, um torcedor, identificado apenas como Murad, de 60 anos, de uma explicação curiosa sobre a presença no estádio. Mesmo em uma idade considerada de risco para infecção, ele deu de ombros para a situação.

“O esporte mata todos os vírus. Quando seu time ganha, sua imunidade aumenta”, resumiu, em entrevista à agência francesa AFP.

Até o momento, nenhum caso de contaminação por coronavírus foi registrado no Turcomenistão. O fato, porém, suscitou dúvidas sobre a real situação da pandemia no país. A nação, que ocupou a 108ª posição na última lista de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), alcançou uma marca considerada alta, ficando à frente de países como a África do Sul.

No país, cujo presidente, Gurbanguly Berdymukhamedov, está no poder há 13 anos, a solução para a pandemia estaria em uma medida no mínimo inusitada. O mandatário sugeriu que a população aspergisse a fumaça de ervas locais em pontos potencialmente contaminados.

“Sinal divino”

Daniel Ortega é outra figura habituada a governar. Há 13 anos à frente do governo da Nicarágua, o ex-guerrilheiro chegou a ficar completamente isolado do mundo em meio à pandemia. Quem se dirigia à nação era sua esposa, vice-presidente do país. Quando retornou, Ortega afirmou que a pandemia nada mais é do que um sinal divino, uma espécie de aviso de que a humanidade não está seguindo o rumo correto.

“Estou convencido de que esta pandemia, este vírus que se multiplicou por todo o planeta, não há força alguma que possa bloqueá-los, não há barreira alguma que possa bloqueá-los, não há muro algum que possa bloqueá-los”, afirmou.

Em campo, o Torneo Clausura será definido nos próximos dias. Real Estelí e Manágua medirão forças nos dias 2 e 5 de maio para definir quem ficará com o título.

Semelhanças com o Brasil

Apesar do Brasil ter paralisado por completo o calendário do futebol, Leandro Gabiati consegue ver semelhanças na condução da situação de países governados a mão de ferro. Jair Bolsonaro tem dado declarações defendendo o retorno do futebol, por exemplo. O que difere o Brasil dos demais países, porém, é a estrutura democrática bem definida do país, com instituições fortes, que impediriam uma ordem direta do titular do Palácio do Planalto para que a bola voltasse a rolar.

“Vimos, por exemplo, que o STF recentemente reconheceu autonomia de governadores e prefeitos para decidir como formatar e impenetrável políticas na área de saúde pública. Ou seja, ainda na hipótese de que o presidente queira manter o futebol por aqui, isso não dependerá dele, mas da decisão de governadores e principalmente de prefeitos”, ponderou.

Outro ponto que impediria uma atitude intempestiva na visão do cientista político tem a ver com a postura dos jogadores. Na visão de Gabiati, os atletas dificilmente aceitariam entrar em campo em condições que não fossem favoráveis.

“Caso o governo federal obrigasse ele a retomar as atividades, os atletas poderiam apelar ao Judiciário para se preservar e preservar suas famílias da anexação de doença”, conclui.

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