“Minha saída do Palmeiras foi estranha”, diz Fernando Prass
Depois de sete anos no Palmeiras, goleiro defenderá o Ceará no Campeonato Brasileiro deste ano
atualizado
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Ídolo do Palmeiras, Fernando Prass ainda remói a mágoa por ter saído de uma maneira que ele classifica como “estranha” do Palestra Itália. Mas tal desgosto, ressalta, não se dirige ao clube. Em entrevista, o jogador critica o ex-diretor Alexandre Mattos e deu a entender que houve certa omissão do presidente Maurício Galiotte no episódio. Entretanto, o agora goleiro do Ceará afirmou que aceitaria voltar a trabalhar no clube onde ganhou dois Campeonatos Brasileiros e uma Copa do Brasil, se fosse convidado, para um cargo de gestor.
O veterano de 41 anos também ressaltou a boa recepção que teve na capital cearense e projetou seu reencontro com Rogério Ceni no Castelão. A falta de interesse em trabalhar como treinador no futuro e a crítica ao fraco engajamento da maioria dos colegas em questões políticas, como no caso do Bom Senso FC, movimento do qual fez parte e que, segundo ele, teve lá suas vitórias, também deram o tom da conversa. Confira:
Por que a escolha pelo Ceará?
Estava em um momento de transição, saindo de um clube após sete anos. Não são dois, três anos, são sete. Você cria uma grande identificação e, sinceramente, não me via em outro time que não fosse o Palmeiras. Depois desse processo todo, entrei de férias, conversei com a família, com meu empresário, e veio a proposta do Ceará. Foi um acerto bem rápido, porque vi na equipe cearense a possibilidade ideal de dar continuidade à minha carreira. Vou continuar em um time da primeira divisão, com torcida, bem organizado. Óbvio que o clube ainda não tem a mesma estrutura física do Palmeiras, mas, pelo que conversei com jogadores que passaram por aqui – e meu empresário conhece muitas pessoas do meio -, achei que o Ceará era a situação ideal.
Pelo que já vem acompanhando da rotina do clube, o que mais te faz acreditar que este ano o Ceará pode fazer muito mais do que fez em 2019?
Difícil falar de 2019, pois não estava aqui. Sei que o time teve um segundo semestre difícil, mas é complicado dizer o que pode ser melhor. Agora, acho que vai ser um ano bom pelo ambiente de trabalho que está se criando aqui, de comprometimento, dedicação, além do fato de o clube estar montando um bom grupo, que está entendendo o espírito do treinador (Argel Fucks). Não é receita de bolo, mas vejo que temos coisas essenciais para ter um bom ano.
Sobre sua saída do Palmeiras, em algum momento, você percebeu que poderia não haver mais clima para ficar ou foi apenas comunicado da sua dispensa?
Não é que eu tenha sido dispensado. Primeiro, meu contrato estava acabando…
Mas você pretendia encerrar a carreira no Palmeiras, não?
Sim, mas sabia que no fim do ano um dos dois goleiros mais experientes (ele ou Jaílson) ia sair. E não sei se, de repente, por uma falta de afinidade que o diretor (Alexandre Mattos, demitido no fim do ano passado) tinha comigo, alguma coisa extracampo, deu-se uma artimanha contratual que me deixou numa situação muito difícil. Sabia-se que eu, Jaílson e (Edu) Dracena tínhamos renovado contrato por um ano, isso foi noticiado em todos os lugares, foi registrado na CBF. Aí fui perguntar ao Dracena se ele estava proibido de dar entrevista, pois estaria em fim de contrato, e ele me falou que não. A mesma coisa com o Jaílson.
Como surgiu a situação do contrato de gaveta?
O clube tem direito de renovar ou não com quem quiser, mas a partir do momento que já se sabia que ia acontecer isso, no fim do ano, o diretor chega e diz que, por ele, ficam os dois, depois é exposto na imprensa que há esse contrato de gaveta, mas que ninguém sabe onde está. Aí meu empresário questiona esse diretor e ele nega veementemente… Chegou-se a uma situação que eu mesmo perguntei ao presidente (Maurício Galiotte) se ele validaria uma decisão de um ex-diretor, que, na minha opinião, foi conduzida de maneira errada. Ele me respondeu que não poderia mudar. Aí eu disse, então, que havia chegado a hora de sair. Não teria problema nenhum em sair do Palmeiras pela idade, pelo rendimento ou seja o que for, mas, para mim, da maneira como foi… para não dizer outra coisa, foi muito estranha. Saí chateado porque não houve critério técnico, não foi um novo diretor, um novo treinador que definiu. E o Mano (Menezes) havia me dito, umas três semanas antes, que tomaria uma decisão técnica sobre essa questão. Não foi uma decisão técnica.
Nomes importantes dentro do Palmeiras criticaram a forma como você foi dispensado, inclusive o ex-presidente Paulo Nobre. Lá, você continua sendo ídolo da torcida. Após a aposentadoria, toparia voltar ao clube como assessor técnico (como Zé Roberto ou Edu Dracena) ou mesmo treinador de goleiros?
Não misturo a instituição com as pessoas. A gente já viu tanta gente fazendo besteira. Não estou falando exatamente do Palmeiras, mas não posso destruir minha relação com o clube por causa de uma ou outra pessoa. Então, não haveria problema nenhum para mim.
Você teve a oportunidade de ser comandado por vários treinadores no Palmeiras. Alguns da velha geração, como Felipão, Mano Menezes e Oswaldo de Oliveira, e outros da nova, como Roger Machado, Eduardo Baptista e Alberto Valentim. É justo falar que os mais experientes estão superados?
Não, não acho que seja questão de idade. São ideias e conceitos de jogo de cada um. Não são, por exemplo, os estrangeiros que estão fazendo sucesso, é o Jorge Jesus (técnico do Flamengo) que trouxe algo diferente. Não gosto de estereotipar, ou por idade ou por nacionalidade, acho que são conceitos de jogo.
Você considera que o método do Felipão estava bem atualizado, por exemplo?
Na minha visão, não existe certo e errado em futebol. Existe o que dá resultado. Às vezes, um método para um tipo de grupo dá resultado e para outro não. Não acho que os métodos do Felipão estejam ultrapassados. Ele foi campeão brasileiro, mais de 30 rodadas invicto, não tem como dizer que um trabalho desses não é bem feito. Claro que há quem prefira um futebol mais ofensivo, mas aí vai de cada um.
Em 2016, você estava no auge, chegou a ser convocado para a Seleção olímpica e era especulado para a principal, quando se machucou e passou cerca de quatro meses sem jogar. Sente algum tipo de inconformismo por ter perdido essa chance?
Não sei se é bem inconformismo, mas é frustração. Porque se fosse mais novo, me recuperaria. Até, depois que voltei, teve um jogo na Vila Belmiro, contra o Santos, em que fui muito bem, e ouvi dizer que o Taffarel (preparador de goleiros da seleção) tinha falado que eu estava no radar, mas é óbvio que, pela idade, havia ficado muito mais difícil. Com 38 anos, chegar à Seleção já era complicado. Ao ter uma lesão, sabia que seria complicado voltar a ter uma chance. Então fica mesmo uma frustração, até porque, na época, se falava em troca de comando, uma retomada, muitas mudanças sempre acontecem, ainda mais na seleção, em que você conta com o atleta que quiser.
Você já enfrentou o Rogério Ceni como jogador e esteve frente a frente com ele já como técnico, quando ele comandava o São Paulo. Já projetou esse reencontro com ele no “Clássico-Rei” entre Ceará e Fortaleza?
Foi um cara contra quem joguei várias vezes, e sempre pareceu ter um perfil de treinador mesmo. Para mim, não é surpresa vê-lo nessa nova função. Vai ser bom reencontrá-lo, um cara com quem vivi coisas interessantes fora de campo, como quando foram reivindicadas coisas em favor da categoria. É alguém que também tem um posicionamento forte, uma parte intelectual muito boa, e gosta de se envolver e debater sobre esses assuntos.
Falando nisso, pensa em ser treinador quando parar?
Não. Hoje, não é coisa que passe pela minha cabeça.
Por quê?
Não sei. Muitos que se tornaram treinadores disseram que foi porque não conseguiram ficar distantes da rotina dentro de campo, mas, hoje, não tenho esse entusiasmo. O que me atrairia mais seria essa parte de estruturação de um clube, como funciona… Acho que ajudaria mais assim.
Você chega com status de jogador que tem opiniões que fogem um pouco do padrão da chamada “boleiragem”. Neste primeiro contato, você sente um pouco mais de reserva da parte dos colegas?
Aqui no Ceará foi tranquilo. Acho que, hoje em dia, com a exposição que a gente tem, todo mundo se conhece. Já sabia como era o Samuel Xavier, o Luiz Otávio, o Fabinho, o Ricardinho… A gente se conhece, embora não tenha jogado junto. Sei mais ou menos o perfil de cada um. Então a recepção para mim foi sensacional. Não tenho do que falar.
Mas você acha que é importante o jogador se posicionar sobre temas extra-futebol?
Acho que ninguém tem responsabilidade de se posicionar. Nem o jogador nem o advogado nem o médico. Na verdade, você tem o direito de se posicionar, e se entende que seu posicionamento é importante naquele momento, está bom. Claro que tudo que o jogador de futebol fala repercute muito mais do que aquilo que um médico fala. Tem a ver com a cultura do Brasil. Acho que se puder usar esse poder de mídia que tem para tentar ajudar de alguma maneira é importante, mas há questões que são difíceis. Em uma entrevista você não consegue expor todo o seu pensamento. Podem tirar uma frase sua do contexto e aquilo tomar outro rumo. Isso já aconteceu comigo. O jogador até tem uma opinião, só que se preserva.
Você costuma conversar com os companheiros sobre política?
Falo, sim, sobre tudo. Mas cada um tem seu estilo, sua linha. Tem jogador que fala só sobre futebol, outro só em videogame, em criação de cavalo, e tem também o que gosta de falar de política É uma coisa muito individual.
Já percebeu um contato diferente com a torcida cearense em relação a São Paulo e Rio?
No Palmeiras e no Vasco, as torcidas gostavam de mim, mas eu já havia feito por onde dentro do campo. Aqui, a recepção é sensacional sem eu ter feito nada ainda. Certa vez, até viemos jogar contra o Ceará, pelo Palmeiras, e o Felipe Melo comentou que a torcida daqui era diferente. Não digo que é melhor ou pior, mas o jeito de torcer é diferente, de cantar, de pular, parece que o estádio inteiro vive o jogo. Assim como na Argentina é muito particular, aqui também é. Pelo menos comigo tem sido bem diferente do que era em São Paulo. Lá, o pessoal é mais fechado, aqui todo mundo me deseja boa sorte, parece ser uma relação sem tantas barreiras como é no Sudeste e Sul do País Até o torcedor do Fortaleza é receptivo.
Por que você acha que uma iniciativa como o Bom Senso F.C. não deu certo?
Não digo que não deu certo, porque algumas coisas a gente conseguiu (mudar). As pessoas não ficam sabendo, mas, por exemplo, o Profut seria aprovado apenas como mais um simples refinanciamento, coisa que não era novidade, sem contrapartida nenhuma. O clube não poderia gastar mais que x por cento do orçamento, tinha de diminuir o déficit a cada ano progressivamente até zerá-lo, com um investimento máximo no futebol, comprovação de salários e tributos em dia, enfim, uma série de coisas. E aí você perguntava: “e se não fizesse isso?” Não tinha punição nenhuma. Ou seja, era uma enganação. E conseguimos batalhar para que fosse uma sementinha do que seria um fair play financeiro. Batemos no calendário, conseguimos um mês de pré-temporada, uma divisão melhor de jogos para grandes, que diziam que jogavam muito, e pequenos, que reclamavam que jogavam pouco, e criamos um equilíbrio. Não que quiséssemos algo perfeito, mas acho que serviu ao menos para levantar uma discussão. E também a maioria dos jogadores que faziam parte do movimento era composta por veteranos, que foram parando e a coisa foi perdendo força e os mais jovens não se animaram a prosseguir.
Os jogadores poderiam participar mais?
É o que sempre falo: jogador é muito acomodado, cobra muito do clube, que pague em dia, que dê estrutura, mas os que têm uma visibilidade maior teriam de se engajar mais. Não adianta vir um time da Série D cruzar os braços que ninguém vai ouvir. Mas os maiores, entre aspas, não precisam porque já têm uma condição boa. Falta, então, um pouco dessa empatia. Mas, no Brasil, a mentalidade ainda é de se fortalecer e tentar enfraquecer o adversário. É uma coisa natural, que demora para se modificar.
Seria então necessária uma mudança geral de mentalidade…
É. Não só no futebol, mas no País como um todo. Setores produtivos batalham por situações que vão favorecer somente a eles e prejudicarão outro setor. E a gente tem muito a aprender ainda nesse sentido. No fim, está todo mundo no mesmo barco, não adianta, quando estiver afundando, tirar água da sua cabine na primeira classe se o porão está inundado.