Ex-presidente da CBF, José Maria Marin é condenado nos EUA
Marin foi condenado por participação em escândalo de corrupção em seis dos sete crimes dos quais era acusado
atualizado
Compartilhar notícia
O ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin, de 85 anos, foi condenado, nesta sexta-feira (22/12), na Corte do Distrito Leste de Nova York, nos Estados Unidos. A pena ainda não foi imposta pela juíza Pamela Chen, o que deve acontecer somente depois do Natal. Junto com o brasileiro, outro cartola também foi condenado: Juan Angel Napout, ex-presidente da Conmebol e ex-vice-presidente da Fifa. Manuel Burga, ex-presidente da Federação Peruana de Futebol, ainda não teve o veredito de seu caso anunciado.
O trio responde a 13 denúncias, transformadas em sete acusações. Há três semanas, o júri norte-americano, composto por 12 pessoas, delibera sobre o assunto após ouvir acusações e defesas dos réus. O cartola brasileiro e seus pares cumprem prisão domiciliar em Nova York. Todos eles estavam no tribunal nesta sexta-feira.
Marin foi condenado na última sessão do tribunal antes do Natal, embora não haja semana de recesso na Corte dos EUA. Ele era acusado de sete crimes: conspiração para recebimento de dinheiro ilícito; conspiração para fraude relativa à Libertadores; conspiração para lavagem de dinheiro relativa à Libertadores; conspiração para fraude relativa à Copa do Brasil; conspiração para lavagem de dinheiro relativa à Copa do Brasil; conspiração para fraude relativa à Copa América; e conspiração para lavagem de dinheiro relativa à Copa América. A Justiça dos EUA acusou-o formalmente de ter recebido US$ 6,5 milhões desde que assumiu o cargo, em 2012.Na decisão desta sexta (22) em Nova York, os jurados consideraram Marin culpado em seis das sete acusações. O dirigente brasileiro foi absolvido da acusação de lavagem de dinheiro da Copa do Brasil. Juan Angel Napout foi considerado culpado em três das cinco acusações.
Mala pequena
Quando José Maria Marin foi surpreendido pela polícia em seu luxuoso quarto de hotel, em Zurique, no dia 27 de maio de 2015, recebeu uma recomendação dos agentes encarregados de levá-lo: a mala que estava preparando era pequena demais. “Faça uma mala maior. Existe o risco de que isso não termine muito cedo”, disse um deles.
Eles sabiam do que falavam. Eram 6h10 da manhã daquela primavera europeia. Não houve chute na porta ou algemas. No luxuoso hotel Baur au Lac de Zurique, uma operação da polícia suíça daria início a uma revolução no futebol, com a prisão de alguns dos mais poderosos dirigentes do esporte, em cooperação com o FBI.
Dois anos e meio depois, 41 cartolas foram indiciados, e mais de uma dezena de federações viram seus presidentes serem presos por corrupção. No total, a Justiça norte-americana já aplicou mais de US$ 190 milhões em multas. A Fifa, bilionária, foi obrigada a se refundar para não desaparecer, gastou US$ 60 milhões apenas com advogados.
Se, por um lado, Marin foi condenado, o julgamento e acordos de delação premiada mostraram de forma inédita, por outro, as “entranhas do futebol”, com revelações sobre como sedes de Copas foram compradas, como jogos foram arranjados e como um sistema criminoso penetrou nesse esporte.
Para investigadores envolvidos no caso, a condenação debilita Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero, os quais tinham conseguido evitar uma prisão. Em ambos os casos citados diante do tribunal, a interpretação é de que eles também foram em parte julgados em suas ausências e, para a Justiça brasileira, ficará cada vez mais difícil justificar a inexistência de um processo.
Esquema da CBF
Oficialmente, o único condenado por enquanto, entre os cartolas brasileiros, é Marin, que herdou uma CBF de Ricardo Teixeira repleta de “acordos”. Segundo as investigações, o ex-governador de São Paulo nada fez para acabar com a corrupção. De fato, ele a ampliou e, em apenas dois anos, recebeu mais de US$ 6,5 milhões em propinas relacionadas à Copa do Brasil, à Libertadores e à Copa América.
Marin se recusou a confessar seus crimes e, assim, passou seis meses preso em uma cadeia em Zurique. Acabou cedendo, em troca da garantia que ficaria em prisão domiciliar nos EUA.
Nesta semana, enquanto aguardava a deliberação do júri, Marin foi visto, por pessoas que acompanhavam o processo, comendo banana na cafeteria do tribunal, sem cerimônias. Ao longo dos últimos dois anos, ele foi obrigado a buscar mais de R$ 60 milhões em garantias de crédito para sua fiança, para pagar por sua segurança e por um pequeno batalhão de advogados na Suíça, EUA e Brasil.
Segundo investigadores, em conversa com o Estado, Marin era apenas o elo mais fraco do esquema na Confederação Brasileira de Futebol. Seu julgamento, segundo esses agentes, serviu, ainda assim, como uma grande vitrine para o que de fato é o futebol no Brasil: um assunto pessoal de alguns dirigentes.
Os efeitos, mesmo distantes, acabaram se concretizando, inclusive para aqueles que conseguiram fugir.
Marco Polo Del Nero, após manobrar o estatuto da CBF, continuou a mandar na entidade. Mas foi afastado pela Fifa na semana passada, depois de gravações, evidências e testemunhas terem o apontado como receptor de US$ 6,5 milhões em propinas. Ainda que seus advogados garantam a sua defesa, na Fifa não existe qualquer predisposição a aceitar sua volta ao futebol.
Ricardo Teixeira, apontado como um dos artífices do esquema de corrupção, em denúncias de outros cartolas presos, continua solto. Mas foram as investigações nos EUA a motivação para a Espanha abrir um processo que culminou na prisão de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona, e emitir uma ordem internacional de prisão contra o brasileiro. Tal processo também foi a instigação para Mônaco e a França descobrirem depósitos em seu nome, enquanto o cerco contra Teixeira também se fecha na Suíça.
Além disso, o julgamento acabou revelando cúmplices do esquema montado por 30 anos na Confederação Brasileira de Futebol. A Rede Globo foi citada como autora de pagamento de propinas em troca de contratos, e a Nike foi acusada de fazer parte de um esquema de propinas no patrocínio da seleção brasileira de futebol. Ambas negaram.
CPI do Futebol
No Brasil, o processo nos EUA levou o Senado a instaurar a CPI do Futebol. Mas a comissão teve seu trabalho bombardeado pela bancada da bola, a qual, nos bastidores, esvaziou o processo. O senador Romero Jucá, quem responde a três processos no Supremo Tribunal Federal, foi escolhido como relator da CPI. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também atuou para garantir que Del Nero e Teixeira não fossem chamados a depor. Ele teve sua campanha eleitoral em parte financiada pela CBF.
Na América do Sul, renunciaram os presidentes das federações da Colômbia, Venezuela, Peru, Chile e Bolívia. Na América Central, caíram os caudilhos das federações da Costa Rica, Honduras, Guatemala, El Salvador, Nicarágua e Panamá. Argentinos, uruguaios e paraguaios também foram abalados. Na Fifa, Joseph Blatter, Michel Platini, Franz Beckenbauer e outros pilares do poder do futebol, hoje, fazem parte do passado.
Ao todo, mais de 30 dirigentes admitiram culpa. Alguns chegaram a entregar o anel de noivado de suas mulheres entre os itens para pagamento de fianças. Pelo menos um dos citados cometeu suicídio, enquanto o esporte mais popular do planeta viu seus donos mudarem.