Edmundo foi racista ao dizer que Lukaku é desprovido de técnica?
Essa não foi a primeira vez que o intelecto do atacante belga foi menosprezado em favor de seu físico imponente
atualizado
Compartilhar notícia
Durante a disputa do Mundial de Clubes, no último sábado (12/2), o ex-jogador e comentarista Edmundo afirmou que o atacante Romelu Lukaku, do Chelsea, era “desprovido de técnica”. O comentário rapidamente viralizou nas redes sociais não só porque o belga marcou minutos após a avaliação de Edmundo, mas também porque o atleta é reconhecido como um dos melhores atacantes do mundo atualmente.
Para a jornalista da Globo Renata Mendonça, as palavras de Edmundo não demonstraram apenas desconhecimento sobre o futebol de Lukaku, mas também reforçaram “um clichê racista de que jogadores negros são fortes fisicamente, mas não podem ter técnica/inteligência pra jogar”.
Não acredito que Edmundo tenha sido propositadamente racista ou maldoso em seu comentário. E não porque ele tem mãe, família e melhores amigos negros, como o próprio afirmou em sua defesa e subsequente ameaça de processo a Renata. Mas o ex-Palmeiras, de fato, reforçou um estereótipo que acompanha atletas negros e os impede de serem avaliados para além de seus dotes físicos.
Essa não é a primeira vez que tal avaliação é feita sobre Lukaku. Quando defendia o Manchester United e se encontrava em meio a uma disputa contratual com o clube, um jornalista afirmou que os Red Devils não deveriam renovar com o atleta, pois ele não era um jogador “inteligente”.
Uma pesquisa feita por Cynthia Frisby, na Universidade do Missouri, concluiu que atletas negros são mais sujeitos a serem descritos na imprensa como “naturalmente dotados fisicamente, mas deficientes em inteligência e ética de trabalho”.
No livro Pitch Invaders: The Modern Black Football Revolution (Invasores do Campo: a Revolução Negra Moderna no Futebol, em tradução livre), a autora Stella Orakwue defende que jogadores negros são julgados não pela sua individualidade, mas sim por características grupais esculpidas por “mitologia”.
A prática, é claro, vai além do futebol. Na NBA, Luka Doncic e James Harden apresentam jogos bastante semelhantes, mas apenas um deles é visto como um “intelectual” em quadra. É preciso ser um dos melhores jogadores da história, como LeBron James, para ser elogiado pelo seu Q.I.
Na NFL, apesar da mudança no perfil de seus quarterbacks, durante muito tempo a posição mais importante e nobre do jogo era reservada a homens brancos, já que o negro, apesar de fisicamente imponente, era visto, como dito acima, como carente das habilidades intelectuais e da ética de trabalho necessárias para ser um líder.
Isso não significa que o 1,91m e os 103kg de Lukaku não sejam impressionantes, mas resumir o jogador a isso é deixar de admirar o quão completo é seu futebol. Palavra de quem o treinou e o observou diariamente em treinos e jogos. Roberto Martínez, que trabalhou com o atacante no Everton e, atualmente, na seleção belga, o descreve como um “pensador”.
Lukaku já enfrentou todo tipo de racismo na carreira. Na Itália, ela vinha tanto das arquibancadas quanto da imprensa e também de colegas – certa vez, ao falar sobre o jogo Inter de Milão x Roma, no qual Lukaku reencontraria Chris Smalling, seu companheiro de Manchester United, também negro, o Corriere della Sera escolheu a manchete Black Friday como título.
O racismo velado deixa tantas marcas quanto o explícito. Às vezes, até mais profundas. Em matéria do New York Times de dezembro de 2019, assinada por Rory Smith, Lukaku se defendeu. “Nunca é sobre a minha habilidade quando eu sou comparado a outros atacantes. Eu sou bom no um contra um. Eu consigo driblar”, se recusando a aceitar as limitações impostas a ele por terceiros, tanto dentro quanto fora de campo.