Demissões e corte de salários: qual o futuro do futebol brasileiro?
Economistas ouvidos pelo Metrópoles analisaram situação atual e ofereceram soluções pós-crise para clubes
atualizado
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A pandemia do coronavírus obrigou as competições esportivas a serem paralisadas. Com a drástica redução das fontes de receitas, diversos clubes pelo mundo todo foram obrigados a entrar em acordo de redução de salários com seus atletas. No futebol brasileiro, times que pareciam ter a saúde financeira em dia têm demitido funcionários em massa.
De acordo com economistas ouvidos pelo Metrópoles, a pandemia apenas acelerou uma crise que estava para explodir no esporte nacional. “O futebol brasileiro estava no grupo de risco do novo coronavírus, cheio de comorbidades: arquitetura institucional arcaica, estrutura de governança obsoleta, modelo de gestão ineficiente e crise de liquidez beirando a insolvência. A suspensão dos jogos e os efeitos econômicos da pandemia no arranjo produtivo e no poder de compra dos torcedores só aceleram a tendência na direção da bancarrota”, opina Pedro Trougrouse, advogado e coordenador acadêmico do programa FGV/FIFA/CIES em Gestão de Esporte.
Para Trengrouse, com a incerteza da data de retorno das ligas e dos efeitos econômicos no arranjo produtivo e no poder de compra dos torcedores/economistas, as perdas serão robustas. “O problema é global. Amir Somoggi, especialista da SportsValue, projeta que o esporte deve perder mais de US$ 15 bilhões no mundo. A Forbes indica que as receitas das ligas dos Estados Unidos devem cair cerca de 5 bilhões de dólares. O Centre International d’Etude du Sport (CIES) calcula desvalorização de 28%, cerca de 10 bilhões de euros, no valor dos jogadores das cinco principais ligas de futebol da Europa, onde a KPMG (empresa de serviços de auditoria) também estima que receitas cairão 4 bilhões de euros. O jornalista Rodrigo Capelo, em matéria com Pedro Daniel, executivo da EY, apontou que clubes brasileiros deixarão de arrecadar entre R$ 500 milhões e R$ 2 bilhões em 2020”, enumera.
A diferença entre o futebol internacional e o brasileiro, no entanto, é que enquanto o primeiro, como é estruturado como negócio ainda consegue atrair investimentos na crise — como se verifica na iminente venda do Newcastle para o Fundo Soberano da Arábia Saudita por mais de R$ 2 bilhões –, no Brasil, “o valor de investimento nos clubes é indexado pela dívida, que tende a crescer na crise, o que dificulta ainda mais a atração de investimento”, explica Pedro.
Diante desse cenário, qual a solução?
Oportunidade
Cesar Grafietti, economista e consultor de gestão e finanças do esporte, defende que a única medida no momento é cortar custos desnecessários. “Sempre é possível fazer duas coisas quando as empresas têm algum problema de caixa: aumentar as receitas ou cortar custos. Não dá para aumentar receitas agora, então é necessário cortar custos. A demissão é sempre uma ação mais drástica, até porque tem custos embutidos. Se o clube paga em dia, como é o caso de Flamengo, Grêmio, Palmeiras, então é possível negociar uma redução temporária dos salários dos atletas para que os funcionários que recebem menos continuem sendo remunerados. Mas para os que já não pagam em dia, pedir redução mesmo que temporária de salários é um escárnio. Enfim, há pouco a fazer, a não ser buscar renegociações que evitem o uso do já escasso caixa”.
Lauro Chaves Neto, economista, PHD em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona e Conselheiro Federal de Economia, detalha outras medidas de recuperação. Ele destaca três frentes: reforçar os programas de sócio-torcedor, os quais, quando bem-sucedidos conseguem bancar 30 a 50% do orçamento de clubes; os clubes trabalharem em suas marcas e criarem produtos diversos, além da camisa de jogo e, assim, terem outras fontes de receitas; e cuidados com a categoria de base, pois na venda de jovens jogadores, há uma fonte que pode contribuir para o orçamento das agremiações.
“O futebol sairá dessa crise de uma forma mais enxuta, mais racional, provavelmente teremos uma redução do patamar do nível salarial de elencos, jogadores, comissão técnica, treinadores”, prevê Lauro.
Grafietti opina que, enquanto o futebol, pela sua própria natureza, tem plenas capacidades de se reerguer, o processo não deve ser rápido. “O futebol é uma das atividades de entretenimento que mais cativa adeptos, que gastam e consomem os produtos, de forma que se comporta melhor que a média da economia. É uma plataforma interessante para as marcas aparecerem. Então, se houver um ‘normal’ parecido com o que tínhamos, com retomada das atividades, consumo e ritmo de vida, então o futebol retornará a patamares pré-Covid-19, talvez em três ou quatro anos.
Como relembrado por Pedro Trengrouse, citando Walter Scheidel, professor de Stanford, doenças, guerras e epidemias são catalisadores de transformações profundas e somente nesses fenômenos reduz-se desigualdades sociais.