Como o futebol brasileiro se organizou para pagar salários milionários
A janela de transferências deste ano trouxe reforços de peso para o futebol brasileiro
atualizado
Compartilhar notícia
A atual temporada está demonstrando que o planejamento financeiro de alguns clubes brasileiros possibilita alto investimento na contratação de jogadores. Flamengo, Palmeiras e São Paulo encabeçam a lista de pagadores de atletas que recebem salários milionários por mês. A reportagem conversou com especialistas em marketing esportivo para entender se o que está acontecendo é, de fato, uma tendência, uma mudança no cenário do futebol nacional, ou se é uma bolha, que vai estourar em gestões posteriores.
“Aumento das receitas, a melhor gestão das despesas e o equacionamento das dívidas propiciam que o clube invista no pagamento de maiores salários sem criar buracos na dívida das instituições. Palmeiras, Flamengo, Grêmio, São Paulo e Corinthians estão neste caminho”, defende Rafael Plastina, fundador da Sport Track, especializada em marketing e gestão esportiva.
A janela de transferências deste ano trouxe reforços de peso para o futebol brasileiro. Daniel Alves e Filipe Luís, titulares da seleção brasileira, encabeçam essa lista de repatriados, trazidos por São Paulo e Flamengo, respectivamente. O primeiro chegou para ganhar salário de R$ 1,3 milhão por mês, sendo R$ 500 mil previstos para serem pagos com ações de marketing dele e do clube e a outra parte pelo próprio São Paulo. Filipe Luís receberá aproximadamente R$ 800 mil. Ele não está na turma do milhão, mas poderá entrar para a mesma, dependendo das ações de marketing do Flamengo.
É muito dinheiro para um jogador de futebol no Brasil, mas isso só é possível porque os clubes estão de reestruturando e engordando suas receitas anuais. O Flamengo vem aumentando sua folha salarial já faz algumas temporadas. No início do ano, apostou em Arrascaeta e Gabriel Barbosa, com salários que ultrapassam o milhão. Para trazer o meia, a diretoria pagou R$ 55,3 milhões ao Cruzeiro. O centroavante veio por empréstimo da Inter de Milão, com o rubro-negro responsável por 100% dos seus vencimentos. O contracheque de Gabriel é alto, na casa dos R$ 1,25 milhão.
O Flamengo ainda repatriou Rafinha (ex-Bayern de Munique), Gerson (ex-Roma) e Pablo Marí (Manchester City). O Palmeiras é o outro clube que faz frente nas contratações da turma do milhão. O atual campeão brasileiro investiu em Ramires, titular da seleção nas Copas de 2010 e 2014, Vitor Hugo (ex-Fiorentina), Luiz Adriano (ex-Spartak Moscou) e Henrique Dourado.
Todos esses reforços devem ganhar salários próximos de R$ 1 milhão por mês. Com 30 anos de experiência no marketing esportivo, João Henrique Areias acredita que a organização dos clubes aconteceu somente depois do grande escândalo de corrupção da Fifa, que estourou em 2015. “A Fifa lançou novo regulamento para os clubes e exigiu que se profissionalizassem. Isso aconteceu por causa dos escândalos e que culminou no afastamento de patrocinadores. Alguns clube aproveitaram para mudar o modelo de gestão”, explicou.
Mas, na opinião dele, cada caso é um caso. “O Flamengo se estruturou e conta hoje com diferentes formas de receita. O Palmeiras tem o fator que eu temo um pouco, pois pode ser que aconteça o que aconteceu no tempo da Parmalat. O dono da empresa vai embora e perde-se tudo”, analisou Areias, referindo-se à dobradinha do clube com a Crefisa.
De maneira geral, os clubes do país passaram a ganhar mais com os direitos de transmissão dos jogos pagos pela televisão, com a criação do programa de sócio-torcedor, com novas ações de marketing dentro de seus respectivos estádios, maior controle dos produtos licenciados e a possibilidade de negociar mais patrocinadores para o uniforme além do master. “Quanto mais diversificadas as receitas, mais saudável será a finança de um clube”, diz Areias.
Há também uma questão importante nesse arranjo financeiro para bancar jogadores caros. O prestígio que eles trazem para o clube e a nova fonte de receita que são. O São Paulo, por exemplo, vendeu por baixo 25 mil ingressos a R$ 5 cada um deles para a apresentação do lateral Daniel Alves, marcada para acontecer na noite desta terça-feira, no Morumbi. Assim, gerou R$ 125 mil ao promover este evento.
Alerta
A chegada de atletas do exterior também serve de alerta para as finanças dos clubes. “O futebol brasileiro tem como característica formar jogadores. Estamos em um período em que não se revela mais jogadores no profissional. O clube forma na base e esses caras vão embora. Agora estamos repatriando não no auge de suas carreiras, mas ainda competitivos, mas não estão no auge. São salários que poderiam ser investidos para se evitar a negociação precoce de atletas, sua saída do clube mais cedo”, opinou Plastina.
O especialista em marketing acredita que o clube deveria segurar por mais tempo atletas que estão sendo ou foram negociados antes de completarem a maioridade, casos recentes dos atacantes João Pedro, do Fluminense, e Vinicius Junior, que deixou o Flamengo para defender o Real Madrid. “A venda de jogador deveria ser fonte de riqueza e não para pagar dívida, para fechar o caixa no ano”, afirmou Plastina.
Segurar o jogador revelado por mais tempo no clube pode aumentar a receita de diversas maneiras, pois cria-se maior identificação do torcedor com o elenco e ajuda nas ações de marketing. Areias concorda com o companheiro de profissão. “O Centro de Treinamento é a base da pirâmide do time de futebol, que tem como ponto alto o profissional. É o local onde se forma o atleta”, disse o atleta ao Estado.
O Palmeiras, por exemplo, “usou” Gabriel Jesus por duas temporadas antes de entregá-lo ao futebol da Europa. Neymar ficou no Santos por alguns anos antes de se transferir para o Barcelona. Além de se valer de talento no profissional, o clube vendedor pode ganhar mais quando o jogador se valoriza dentro de campo, ganha campeonatos e já chega famoso na Europa.