Amigos de infância relembram travessuras e sonhos de Maradona
O camisa 10 cativou como poucos aqueles que encontram no futebol uma das únicas formas de escapar das agruras do dia a dia
atualizado
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Quem foi Diego Armando, que escolheu eclipsar na data da morte de Fidel Castro, que arrastou uma multidão à Praça de Mayo, como pouco políticos conseguiram, cujo funeral quase provoca a tomada da Casa Rosada pelo povo? É um mito na Argentina. Mas antes de ser mito, foi povo e, por ter sido povo, cativou como poucos aqueles que encontram no futebol uma das únicas formas de escapar das agruras do dia a dia.
“Maradona sempre representou essas emoções difíceis de descrever. É um mito real que emanou de seu corpo expressões que todos temos escondidas. Amor e fúria exacerbada o tempo todo. Perfeição e debilidade”, diz Matías Mosquera, fanático que nunca o viu jogar.
“Sabe quando faz muito calor e você toma um banho gelado e se refresca, mas, ao mesmo tempo, fica meio sem ar? Isso era Diego. Ele nos deixou sem ar quando conseguiu fazer-nos campeões e elevar-nos. Algo único”, descreve José Veeg, torcedor do River Plate, principal rival do Boca Juniors, também ele um fã de Maradona.
A história de Diego todos conhecem na Argentina. E é por ela que o povo se dobra.
O “Peluza” da Villa Fiorito
Declaradamente peronista (do presidente Juan Domingo Perón – 1895/1974), Diego nasceu no dia 30 de outubro de 1960 em um hospital batizado Eva Perón (Evita, primeira-dama) no bairro humilde, hoje mundialmente conhecido, de Villa Fiorito. Foi lá onde arriscou suas primeiras jogadas com a bola, ao lado do melhor amigo e vizinho, Gregorio Goyo Carrizo.
Eles se conheceram quando ambos tinham sete anos e Diego passava o dia implorando para que jogassem bola. “Goyito, joga comigo?”, pedia o pequeno Diego, ao que o outro respondia, em tom de brincadeira: “Pelucinha (pela cabeleira negra e armada), joga você para mim”. E assim eles cresceram juntos.
O amigo relembra ironizando que os jogadores de futebol reclamam hoje de sofrer pressão em partidas importantes, mas que “pressão mesmo era a que sentíamos quando jogávamos peladas contra o Diego apostando uma nota e com um pessoal armado acompanhando o jogo do lado de fora”, contou ao jornal La Final em 2000.
“Com apenas nove anos, iam nos buscar no Siete Canchitas, como se chamava o lugar onde o Maradona e eu jogávamos, e nos incluíam em times formados por caras muito mais velhos do que nós”, diz. “Em uma dessas finais, vi o Diego marcar o melhor gol de sua vida, pegou a bola na ponta esquerda e foi se aproximando da área… De costas para o gol, e de bicicleta, cravou uma bomba no ângulo direito. O mais impressionante foi que a bola entrou tomando aos poucos o efeito que Maradona havia lhe dado”, relata Goyo.
Foi Goyo Carrizo quem convenceu o jovem habilidoso da Villa Fiorito a se apresentar ao Argentinos Juniors. Ele já jogava na divisão de base, equipe conhecida como ‘Cebollitas’, e foi perguntando se alguém mais na Villa jogava como ele. Não teve dúvidas em levar o amigo, futuro camisa 10, ao clube de La Paternal. “Diego era o representantes dos favelados”, atestou.
Nessa mesma época, idos dos anos 1970, quem também era parte do elenco do ‘Cebollitas’ era o jogador Daniel Delgado, conhecido como Pólvora, que foi capitão da equipe de Maradona. “Nós jogamos desde pequenos no Argentinos. Eu era o capitão e o Diego, já naquela época, era o melhor de todos. Foi a melhor época dele”, diz Pólvora.
“Maradona jogava de 10 e eu jogava como a 11. Fazia os gols graças a ele.” O amigo ressalta que Maradona era um garoto bárbaro, que todos eram amigos no ‘Cebollitas’, “meninos humildes que se davam bem, foi um período lindo”, conta Delgado que hoje trabalho no Defensa y Justicia. “Diego era de poucas palavras”, diz rindo, “aprendeu a falar anos mais tarde”.
O ex-Cebollitas conta que em um partida do torneio chamado Evita, terminaram o primeiro tempo ganhando de 4 x 0. No segundo, Diego e outro dois garotos chegavam na entrada da área e chutavam a bola por cima do gol, na direção de uma árvore, porque haviam apostado para ver quem conseguia derrubar um ninho de João-de-barro. “O prêmio era uma garrafa de Coca-Cola”, contou.
O jovem que jogava pensando em ganhar um refrigerante, logo se transformaria num craque. Em sua primeira declaração a um canal de televisão, disse: “Eu tenho dois sonhos, o primeiro é jogar uma Copa. O segundo é sair campeão dela.”
O 1º contrato
A carreira de Diego começou no Argentinos Juniors. Sua estreia foi contra o Talleres de Córdoba. Tinha 15 anos. Mas foi o Boca que o alçou à fama mundial. “Quando Diego veio ao clube (Argentinos), tinha 18 anos e ele nove. Foi aí quando o conheci”, conta Alberto Peréz, torcedor do primeiro time a contratar Maradona.
Peréz estava começando a faculdade de Direito, a qual, anos depois, permitiria a ele aplicar seus conhecimentos com um cliente ilustre, o próprio Maradona. “Eu era amigo de Jorge Cyterszpiler, primeiro representante do Diego, o que me levou a assessorá-los em alguns contratos. Ele esteve no meu casamento, em 6 de janeiro de 1979. Tinha 18 anos”, recorda.
“Quando entrou no profissional, em 76, ele morava na favela. Então, para facilitar sua chegada aos treinos, conseguiram uma casa provisória no bairro onde está o Argentinos.”
A primeira casa onde viveu a família Maradona foi comprada pelo ex-advogado de Diego e transformada em um museu que reúne móveis e pertences da época. Tudo está tão bem caracterizado que até uma grande produtora de cinema a utilizou como locação para uma série sobre sua vida. Diego ouvia discos no quarto que ocupava na casa. Hoje, o bairro que testemunhou sua chegada e metamorfose, transformou-se em uma espécie de santuário a céu aberto. O estádio leva seu nome. La Paternal deverá se converter em local de peregrinação para aqueles que querem entender quem foi Diego antes de virar mito.