A vida sem glamour de quem joga futebol no DF
Sem contrato depois do Candangão, profissionais precisam de outros empregos para garantir o sustento
atualizado
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“Sonho em viver só com o futebol, mas no Distrito Federal isso é praticamente impossível.” A declaração do goleiro Douglas Bispo, 26 anos, ex-Luziânia, retrata o atual momento dos jogadores do futebol local. Boa parte dos atletas fica sem contrato no segundo semestre e recorre aos campeonatos amadores ou bicos para sobreviver. Raros são os que se mantêm em campo como profissionais. E, quando conseguem, recebem salários muito baixos, que sequer garantem o sustento da família.
Douglas é um dos exemplos de que o futebol do DF não emprega bem. Só conseguiu se dedicar exclusivamente ao esporte por um ano completo, em 2014, quando o Luziânia conquistou o Candangão e teve a possibilidade de jogar a Série D. Atualmente, o goleiro retornou ao seu antigo trabalho: entregador de gás. Uma realidade bem distante do que ocorre na elite do futebol nacional e internacional.Quando estou num clube ganho mais do que como entregador, mas não dá para fazer compromisso, pois são no máximo cinco meses de contrato.
Douglas Bispo, goleiro
O jogador também se arrisca em jogos amadores. “Tem domingo que eu jogo três partidas para tirar R$ 500”, ressalta. É prática comum em Brasília que os times amadores contem com um reforço de jogadores profissionais, que recebem por partida. A média é de R$ 100 por jogo. Como neste ano o clube do Entorno, que disputa o campeonato do DF, não conseguiu a vaga no certame nacional, suspendeu as atividades e dispensou o elenco.
Outro exemplo de quem milita há anos no futebol local com a possibilidade de não ter um contrato é o atacante Edicarlos Queiroz, 32 anos. Ele já está acostumado a disputar os campeonatos amadores pela cidade para fazer uma reserva – o restante do ano é incerto. De acordo com o próprio jogador, neste ano ele teve o maior salário no futebol candango. O atleta não revela o valor, mas não ultrapassa a casa dos R$ 5 mil por mês. Ele desabafa:
Já conheço essa rotina. O dinheiro que a gente ganha no Candangão tem que guardar. Se não for suficiente, jogo torneios amadores. Não é muita coisa, mas tem time que paga até R$ 300. Dá para tirar um extra.
Edicarlos Queiroz, atacante
Reserva financeira
A situação do atacante Ewerton Emmanuel, mais conhecido como Chefe, é um pouco mais tranquila. Mesmo sem contrato para o restante do ano, o jogador conseguiu economizar o suficiente para se manter fora dos gramados: “Basicamente, procuro economizar o que ganho durante o estadual. Se não aparecer nada no segundo semestre, dá para segurar”.
O jogador recebeu um dos maiores salários pagos pelo Luziânia nesta temporada. Nada muito alto, já que a folha salarial do clube não ultrapassa os R$ 100 mil por mês. Neste ano, o atleta recusou propostas para jogar no Palmas-TO, pela Série D do Brasileiro, para ficar mais perto da família e terminar o curso de Educação Física, já que está no último semestre.
“Se não fosse agora, não iria terminar essa faculdade nunca”, justifica. A realidade do jogador, revelado nas categorias de base do Brasiliense, é distinta da maioria. “Conheço muita gente do futebol que passa necessidade, que acaba o campeonato e não tem estrutura para seguir”, conta.
“Além disso, muitas equipes não pagam. Assim que termina (o campeonato), fica complicado. O futebol de Brasília engatinha. Acabou o torneio, bate o desespero em muita gente”, afirma
Salário-mínimo
Campeão candango com o Ceilândia em 2010, o volante Augusto Rodrigues é um dos jogadores do Planaltina Esporte Clube nesta temporada da Segunda Divisão do DF. O atleta atuou pelo Ceilandense no primeiro semestre. Sem contrato no período entre abril e o fim de julho, dedicou o tempo à sua empresa de construção e reforma.
Aqui em Brasília, 95% dos atletas, infelizmente, não podem contar com o futebol. E, mesmo se estiver trabalhando, tem clube que não paga. Os salários normalmente atrasam. Quem é pai de família não pode ficar sem receber.
Augusto Rodrigues, volante
Na segunda divisão, o salário do jogador caiu pela metade. Deve ficar na casa dos R$ 1,5 mil. Mas isso é só para jogador experiente. Juniores, no máximo, vão receber um salário-mínimo (R$ 788).
Clubes reclamam
Se para um clube da primeira divisão do DF já é difícil manter uma estrutura, imagine para os que foram rebaixados. É o caso do Ceilandense, equipe que caiu para a Divisão de Acesso e só volta a jogar no segundo semestre de 2016.
Manoel Santos, que preside o time, conhece muito bem a situação dos jogadores e dos demais clubes do Distrito Federal. “Praticamente todo o elenco que disputa o campeonato não vive só do futebol”, admite o dirigente. Ele destaca que até mesmo durante o campeonato é difícil manter os profissionais exclusivamente como jogadores. No Ceilandense, a folha salarial desta temporada foi de R$ 30 mil por mês.
Sem orçamento
Atualmente, dos 11 times que disputaram a Primeira Divisão do DF no primeiro semestre, apenas dois clubes têm calendário de jogos no segundo semestre: o Gama, atual campeão e que disputa a Série D do Campeonato Brasileiro; e o Brasília, campeão da Copa Verde no ano passado e que disputa a Copa Sul-Americana.
A situação do Brasília é peculiar. Como a competição é disputada no mata-mata, com eliminação a cada fase, os contratos dos jogadores são de apenas três meses, prorrogáveis pelo mesmo período à medida em que o clube vá avançando. O teto salarial pago na equipe não passa de R$ 15 mil por mês. Apesar de baixo, o salário está bem acima da média paga no futebol local. Nem mesmo o Gama, que terá mais jogos a serem disputados no segundo semestre, oferece salários próximos a esse. Hoje, a folha salarial mensal do clube é de R$ 300 mil. Orçamento que o clube não pretende ultrapassar, mesmo se subir para a Série C.
Os jogadores da segunda divisão local, então, recebem muito menos. O orçamento médio total, por clube, é de R$ 10 mil por mês. “Ninguém é louco de fazer promessas”, revela um dirigente que pediu para não ser identificado. “Essa é a média normal. Às vezes, chega a R$ 12 mil. Mas têm vários clubes que sequer pagam”, acrescenta.
Para esta temporada, os times da segunda divisão optaram, inclusive, por formar equipes com atletas das categorias de base, o que sai bem mais em conta. Olhando para o futuro, não há previsão de que essa situação mude. A Federação Brasiliense de Futebol (FBF) sequer cogita a criação de um calendário anual para os clubes.