Caso Arnautovic: as cicatrizes dos conflitos entre sérvios e albaneses

O jogo entre Áustria e Macedônia do Norte tinha tudo para ser apenas mais um na rodada de abertura da Eurocopa. Mas a comemoração de Marko Arnautovic, atacante da Áustria, no terceiro gol na vitória por 3 x 1 abriu um debate  sobre ódio.

Marko fez um sinal de “OK” com as mãos enquanto falava de maneira ríspida contra Ezgjan Alioski, da Macedônia do Norte. Poderia passar desapercebido caso o sinal não fosse um código utilizado para identificar supremacistas brancos.

Esse símbolo ficou conhecido no Brasil recentemente depois que Filipe Martins, assessor do presidente Jair Bolsonaro, fez o gesto durante uma sessão do Senado.

A suspeita de uma suposta simbologia racista fez com que a Uefa abrisse uma investigação contra o atacante. Em sua defesa, o jogador negou a acusação de racismo. O atacante pediu desculpas pelas “palavras acaloradas” que teria dito ao lateral e se disse defensor da diversidade.

Marko, de origem sérvia,  teria dito a Ezgjan, de origem albanesa: “Estou fodendo sua mãe albanesa”. Por mais que pareça uma ofensa comum, há um contexto político muito mais complexo e explosivo por trás.

Como resposta, a Uefa divulgou a punição de Arnautovic nesta quarta (16/6). A federação puniu o atacante por “insulto a outro atleta”, sem enquadrar o jogador na denúncia de racismo e discriminação.

Mas afinal, o que albaneses e sérvios tem a ver com um jogo entre Áustria e Macedônia? Os dois povos já se envolveram em diversos conflitos e essa rivalidade geográfica histórica já se apresentou no futebol em outros momentos.

Contexto histórico

Com 90% da população de origem albanesa, o Kosovo era uma das regiões autônomas que faziam parte da Iugoslávia. No entanto, a minoria sérvia perseguia e dominava a região com o apoio do governo central da Iugoslávia. As tensões entre os dois povos cresceu à ponto dos kosovares iniciarem um movimento separatista em 1996.

Sob às ordens de Slobodan Milosevic, líder da Iugoslávia, o movimento dos albaneses foi duramente oprimido. As tensões atingiram um ápice no ano de 1998, quando Milosevic passou a ser acusado de massacrar os kosovares de origem albanesa. Sem um acordo diplomático, a Otan (Organização do Tratado Atlântico Norte) interviu na região e após quase três meses, obrigaram os sérvios a deixaram a região.

Mesmo 20 anos após o fim do conflito, a Sérvia segue sem reconhecer a independência do Kosovo, mantendo acesa a chama do ódio entre as duas nacionalidades.

Xhaka e Shaqiri na Copa do Mundo de 2018

Na Copa do Mundo de 2018, realizada na Rússia, Suíça e Sérvia se enfrentaram no estádio de Kaliningrado, pela segunda rodada da fase de grupos. Depois da Sérvia sair na frente com gol de Mitrovic, a Suíça conseguiu uma virada heroica com gols de Xhaka e Shaqiri, ambos jogadores suíços de origem kosovar.

 

Em suas comemorações, os dois atletas fizeram questão de lembrar suas raízes e reproduziram com as mãos o símbolo da águia negra, que estampa a bandeira da Albânia.

A comemoração não foi bem vista por suíços, muito menos por sérvios, que entenderam a ação como clara provocação. A Fifa não fez diferente, investigou os dois atletas , e posteriormente aplicou uma multa 10 mil francos suíços para cada um.

Drone, bandeira, provocação e (muita) porrada

Em 2014, um episódio bem mais grave ocorreu dentro do campo relembrando o conflito. Quis o destino que Sérvia e Albânia se enfrentassem durante as Eliminatórias para a Eurocopa de 2016, realizada na França. O contexto fez com que as partidas de ida e volta fossem disputadas apenas com uma torcida, para evitar violência, mas não adiantou.

Aos 41 minutos da primeira etapa, um drone com uma bandeira do Kosovo invadiu o campo. Mitrovic, o mesmo que marcou o gol anos depois contra a Suíça, capturou a bandeira em apoio aos kosovares e albaneses. Como resposta, jogadores da seleção albanesa partiram para cima do atleta dando início a uma briga generalizada.

A partida foi cancelada por falta de segurança e as duas federações foram multadas. Na volta da delegação albanesa, torcedores foram receber a equipe como se tivessem vencido um campeonato.