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Preparação, categoria de base e Super Licença: como chegar à Fórmula 1

Ex-pilotos comentam sobre as exigências para que os pilotos alcancem a F1 e garantem: hoje a exigência é maior do que no passado

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Bryn Lennon/Getty Images
Formula 2
1 de 1 Formula 2 - Foto: Bryn Lennon/Getty Images

A Fórmula 1 vive uma das temporadas mais espetaculares da sua história e certamente a mais emocionante da era híbrida, que começou em 2014. A disputa acirrada entre Max Verstappen, da Red Bull, e Lewis Hamilton, da Mercedes, tem atraído a atenção de muitos fãs pelo mundo, incluindo o Brasil, onde o piloto inglês conseguiu uma das mais épicas vitórias da sua carreira. Com tanto destaque para a categoria, é comum que surjam mais fãs e desperte mais interesse por saber: como um piloto chega até a categoria mais badalada do automobilismo mundial? O site de apostas on-line Betway foi em busca dessa resposta.

Uma das exigências atuais é a Super Licença, que envolve uma série de exigências para que os jovens pilotos cumpram antes de chegar à F1. As regras mudaram com o tempo e uma das principais estrelas atuais, Max Verstappen, foi o responsável pela última grande mudança na regra. Antes, vamos conhecer como começa a história da Super Licença.

Até os anos 1980, não havia praticamente nenhuma restrição sobre quem seriam os pilotos da F1. É parte da história da categoria: apaixonados por automobilismo que se juntaram para criar corridas e competir. Com o passar do tempo e a expansão do que era a F1, foi preciso criar algum tipo de controle.

“Lá atrás, chegava um milionário desconhecido, do nada, que mal sabia andar de kart, e queria andar de Fórmula 1. Não que isso não aconteça hoje, mas é tudo mais controlado. Então, a Super Licença foi algo voltado para impedir esses caras, obviamente pensando na segurança”, afirma Luciano Burti, ex-piloto da F1 e comentarista do grupo Globo.

A criação da Super Licença

A história da Super Licença começa com um personagem muito polêmico e uma greve de pilotos. Em 1982, Jean-Marie Balestre era o presidente da International Motor Sport Federation (FISA), organização que dirigia a F1 na época. O dirigente aproveitou a ideia da Super Licença para criar exigências. Balestre é o dirigente que, em 1989, desqualificou Ayrton Senna depois que Alain Prost bateu no brasileiro, com o francês de volta à pista para ganhar a corrida. Senna foi desqualificado, o que deu o título a Prost. Ele admitiu, anos depois, que atuou em favor de Prost.

Era esse Balestre que quis impor exigências bastante autoritárias em relação aos pilotos para que eles tivessem a Super Licença. Primeiro, cada piloto teria que assinar um contrato dizendo que correria por aquela equipe por um certo período, de até três anos, de forma que isso tornasse ilegal negociar com outras equipes. Além disso, os pilotos não poderiam falar publicamente algo que soasse ruim para a FISA. Uma mordaça. Os pilotos, claro, não gostaram. A atitude deles para lutar contra isso foi histórica e inesperada pelos dirigentes e equipes: eles decidiram entrar em greve.

Os pilotos foram liderados por Didier Pironi, da Ferrari, e Niki Lauda, que retornava à F1 e era também o porta-voz do grupo. De todos os pilotos, 30 aderiram ao protesto, só um não aderiu e não foi por não concordar: Jochen Mass não sabia do que estava acontecendo porque estava em outro lugar. Os pilotos deixaram o circuito de Kyalami, na África do Sul, e se reuniram em uma sala de conferência do hotel onde estavam hospedados, o Sunnyside Hotel, de forma a não serem incomodados por suas equipes e pelas autoridades.

A sala se transformou em um dormitório, com pilotos dividindo colchões no chão e um sentimento de união e companheirismo entre eles que é raro em um mundo tão individualista como o da F1. Elio de Angelis e Gilles Villeneuve, no piano, ficaram responsáveis por gerar algum entretenimento aos protestantes. Teo Fabi foi o único que desistiu. Os relatos são que ele fugiu pelo banheiro, por temer perder o seu lugar – era o seu primeiro ano na categoria.

As equipes ficaram furiosas e ameaçaram trazer outros pilotos. Balestre disse que os pilotos que protestavam nunca mais pilotariam um carro de F1. O risco do Grande Prêmio da África do Sul nem acontecer era grande. Jochen Mass era o único piloto que tinha ido à pista para os treinos. Uma situação que se tornou ridícula. Os pilotos não cederam. Quem cedeu foi Balestre e as equipes.

Os pilotos receberam garantias que não seriam punidos, algo que Balestre não foi totalmente honesto. Furioso, ele multou os pilotos com valores de US$ 5 mil a US$ 10 mil e punições suspensas que variavam de duas a cinco corridas impostas aos 29 pilotos que ficaram até o fim. A disputa foi tão grande que a imposição da Super Licença caiu. Ao menos naquele momento.

Ela só voltaria à baila em 1984, mas sem as exigências que Balestre tinha feito dois anos antes. A ideia original foi mantida: era preciso ter alguma experiência com automobilismo para correr naquela que é a principal categoria do mundo nesse esporte. Foi um primeiro passo do que seria a Super Licença anos depois.

A maior e mais importante mudança aconteceu recentemente. Em 2015, houve um fato inusitado: Max Verstappen, então com 17 anos, sequer podia ter licença para dirigir no seu país, a Holanda, mas estava pilotando um carro de F1 no início daquele ano, como piloto da Toro Rosso. No Grande Prêmio da Austrália de 2015, com 17 anos e 166 dias, ele começou a corrida. Um recorde que ninguém mais poderá bater, ao menos com a regra atual da F1, criada por causa desse episódio.

A precocidade do então jovem talento da Academia da Red Bull chamou a atenção da FIA, que resolveu tornar as regras mais rígidas e minimizar os riscos. Afinal, Verstappen era muito rápido, mas tinha pouca experiência em carros de corrida daquele nível. Dentro das regras, a Red Bull viu que o garoto era muito rápido e o puxou direto da F3 para a F1, sendo que ele sequer tinha conquistado o título – quem venceu foi Esteban Ocon, que também iria para a F1 anos depois. Vendo que era um risco que um piloto fizesse o mesmo caminho sem estar preparado, a FIA estabeleceu as seguintes regras para a temporada 2016 em diante:

Para novos candidatos

– Mínimo de 18 anos no começo da sua primeira competição de F1;

– Ter a licença International Grade A de competições da FIA;

– Ter uma carteira de motorista válida no seu país;

– Passar pelo exame teórico da FIA sobre código esportivo e regras da F1;

– Ter completado ao menos 80% de duas temporadas completas de qualquer competição monoposto listada pela FIA;

– Ter ao menos 40 pontos nas três temporadas anteriores em qualquer combinação de campeonatos listados pela FIA.

Para aqueles que já tiveram a licença

– Um piloto que já teve uma Super Licença válida por qualquer uma das três temporadas anteriores é elegível para uma nova licença;

– Se o piloto teve uma Super Licença em período anterior a três anos, deve completar 300 km em velocidade de corrida em um carro de F1 em não mais que dois dias, autorizado por uma federação de automobilismo local e ou como parte de uma sessão da F1. Isso deve ser completado em não mais do que 180 dias antes da sua candidatura.

A tabela de pontos incluía o desempenho em várias categorias, que a FIA modificou ao longo do tempo. Desta forma, a FIA garantia que os pilotos que chegassem à F1 tivessem cumprido um mínimo necessário para estar na principal categoria. Além da questão de segurança, tem também uma questão de prestígio: ter que cumprir um caminho para estar na F1 a torna também mais desejada.

“Não acho que guiar rápido é um problema, mas essa pontuação da Super Licença faz sentido para o piloto entrar mais maduro e evitar de fazer alguma besteira, não ao avaliar o quanto ele guia bem. Porque hoje, com toda a simulação que há, se o garoto for bom, ele já chega muito bem com pouco tempo de monoposto. Então, acredito que é bom para ter certeza que vai dar uma afunilada e que no final das contas chegue mais maduro na F1”, avaliou Felipe Giaffone, ex-piloto da Indy, atual piloto da Copa Truck e comentarista da F1 na Band e Bandsports.

Os pilotos ainda precisam pagar uma taxa anual para renovar a sua Super Licença – e também as licenças internacionais que precisam ter. Em resumo, para ter a Super Licença é preciso ter experiência, talento e também dinheiro para cumprir todos os requisitos.

Importância das categorias de base

Mais do que apenas um requisito para chegar à F1, as categorias de base do automobilismo são importantes para formar os pilotos. Esse é um dos aspectos que mais mudou ao longo do tempo: com mais categorias e mais preparo, os pilotos estão cada vez mais prontos.

“A F2 hoje é muito melhor do que a F300 do passado. O piloto sai mesmo preparado para pilotar um F1. Mesmo assim, é um salto grande. Agora, se é um piloto bom, se ele tem talento, a Super Licença não é para inibir ninguém, é para fazer esse filtro”, opina Burti.

“Na Austrália em 2001, quando eu estreei, o [Fernando] Alonso e o [Kimi] Raikkonen estrearam juntos. O Alonso já era um cara mais experiente, que tinha feito a F3000, eu tinha feito a F3, mas tinha feito um ano de piloto de testes na Jaguar, e o Raikkonen estava vindo da F-Renault, praticamente a primeira categoria, seria equivalente à F4 hoje. Chegou lá e fez o que fez”, diz ainda Burti, que também foi piloto de testes da Ferrari.

“Se o piloto é talentoso, independentemente do tamanho do salto, as coisas acontecem. A F3 é boa o suficiente e principalmente a F2 é uma excelente categoria para o piloto se preparar para a F1”.

A estrutura do automobilismo mundial hoje é bastante desenhada para que os pilotos tenham categorias de base regionais, passem a categorias maiores e, de preferência, pelo caminho que a própria FIA cria, de modo a preparar melhor os pilotos.

“Hoje a FIA trabalha muito para fazer a F4, F3, F2 e F1. Tem a F-Renault, mas o que a FIA quer é manter essa linha. A grande mudança é quando o garoto sai do kart, porque tem alguns que não se adaptam muito bem ao carro. A partir daí, tudo que você começa a guiar depois do kart é mais lento, no sentido de reflexo, comparado com o kart. Começa a ficar mais parecido com o kart quando você está lá na F2”, opina Giaffone.

“É um processo normal, eles vão ganhando experiência, conhecendo os autódromos e acho que a maior diferença é quando chega na F1, justamente porque hoje é um carro muito diferente, eletrificado, com muita coisa para mexer eletronicamente nos carros, mas a adaptação de um bom piloto que sai da F2 não é muito difícil, principalmente por causa dos simuladores, que aprendem muito sem ter tantas horas de pista”, diz ainda Giaffone.

O caminho dos brasileiros

Se já era difícil na época que brasileiros chegavam à F1 com frequência e tiveram uma espetacular sequência com Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna nos anos 1970, 1980 e 1990, agora as coisas se tornaram ainda mais complicadas. O grid atual não tem nenhum brasileiro e isso não é uma novidade. Não há um brasileiro na F1 desde a aposentadoria de Felipe Massa, em 2017.

Há várias razões para o Brasil não ter mais representantes na F1. Atualmente, os pilotos precisam passar necessariamente por várias etapas antes de alcançarem um lugar na categoria. Dinheiro sempre ajudou, mas, mesmo tendo todo dinheiro do mundo, é preciso cumprir uma série de requisitos que se tornaram mais rigorosos ao longo do tempo. Além disso, a desvalorização da moeda brasileira, o Real, tornou tudo mais complicado.

“Antes existiam equipes privadas que precisavam receber com os pilotos, sponsors. Hoje todas têm alguma montadora ou fundo de investimento por trás e o dinheiro de um piloto brasileiro não é fator de decisão. Outro ponto é a desvalorização da moeda brasileira”, analisa Fernando Julianelli, CEO da Vicar, organizadora da principal categoria do automobilismo brasileiro, a Stock Car.

“O que acho que o piloto precisa, e posso falar do que aconteceu comigo, é uma formação muito boa. Infelizmente aqui no Brasil, tecnicamente estamos aquém do nível da Europa, isso desde o kart. Não temos categoria de monoposto aqui. Mas mesmo que tivesse, está aquém. Alguém vai lembrar: ‘Ah, mas no passado os pilotos chegavam lá, Emerson [Fittipaldi], [Nelson] Piquet, [Ayrton] Senna, foram campeões mundiais. Sim, mas a F1 era muito mais amadora do que ela é hoje”, afirma Burti.

“Se você olhar no Google um pit stop da década de 1980 ou década de 1990, você vê o absurdo que era, até em questão de segurança, gente correndo pra lá e pra cá para o carro entrar, tudo muito amador. Então, nosso amadorismo no automobilismo no Brasil não era tão importante, porque um brasileiro ia para lá, um piloto talentoso, e até o fato de estar morando na Europa sozinho, focado no automobilismo, passava a ser uma vantagem em relação ao piloto europeu, que tinha sua família, seus amigos, sua vida e corria de carro. O brasileiro até levava uma vantagem por estar lá só para correr”, explica ainda o ex-piloto.

“De uns anos para cá, digamos, de 2000 para cá, com a tecnologia, os pilotos europeus passaram a ter uma formação muito melhor em termos de telemetria, questão técnica, preparo físico, tudo. E o brasileiro continua aquela tocada daquele negócio mais amador. Na minha opinião, é isso que está faltando aqui”, continua Burti.

Chegar na F1 é difícil, mas se manter é mais ainda

“Sim, chegar lá é muito difícil”, diz Burti. “Falo que é muito difícil e sobreviver lá é mais difícil ainda. Muita gente confunde, acha que é patrocínio, é grana, não é. Quem vai por esse caminho, na minha opinião, está falando algo errado. Se você chega lá com o bolso cheio, seja o bolso cheio do seu pai ou de um patrocinador, pode acontecer de você se tornar um piloto apenas pagante”.

“Até dou um exemplo aqui mais próximo: o Felipe Nasr, excelente piloto. Se você conferir os resultados que ele teve, são excelentes. Foi o piloto da Sauber que mais marcou pontos em uma primeira temporada [Nasr fez 27 pontos no seu primeiro ano de Sauber, em 2015]. E a Sauber teve grandes pilotos por ali”, conta Burti.

“Ele tinha patrocínios grandes, Banco do Brasil e etc. Foi tratado como piloto pagante. Quando o Banco do Brasil cortou o patrocínio, o Felipe acabou sendo cortado também. Pode ter tido alguns outros casos que foram parecidos e o piloto conseguiu continuar, mas não acho que é a questão de patrocínio. O patrocínio ajudou a entrar, mas não ajudou a permanecer, porque ele tinha talento suficiente para continuar lá, mas não continuou”, relata o ex-piloto, que correu na F1 nas temporadas 2000 e 2001 pelas equipes Jaguar e Prost.

“Para chegar nessas categorias, e a F1 é mais difícil e mais restrita, você tem mais fábricas e mais dinheiro envolvido, então você, primeiro, precisa de um bom apoio financeiro, seja de alguma empresa ou algo assim”, afirma Giaffone. “Acredito que no Brasil, e todo país que começa a ter um automobilismo nacional muito forte, que é o caso que está acontecendo com a Stock Car, é o caso dos Estados Unidos com a Nascar, a Argentina a mesma coisa, a tendência é que os pilotos evitem de ir para a Europa, que é muito caro, e o patrocinador tem um bom retorno, um maior retorno, dentro dessas categorias”.

Com a dificuldade de não ter categorias de monopostos na América do Sul, os europeus acabam levando alguma vantagem no início da trajetória em busca de um lugar na categoria mais disputada do automobilismo mundial, por terem as principais categorias de acesso sendo disputadas por lá.

“Acho que é mais difícil para o brasileiro sim, por falta de um automobilismo mais técnico do que na Europa. Se você pegar o kart na Europa é extremamente técnico. Este ano mesmo lá tem dois ou três pilotos brasileiros, que estão andando muito bem no kart lá fora. Óbvio que para um piloto brasileiro estar lá fora, ele precisa ter grana, não é qualquer um que consegue, mas ao menos eles têm andado a nível de ponta. É preciso ter grana para conseguir fazer isso”, analisa Burti.

“Para o brasileiro está cada vez mais difícil chegar à F1, até pela desvalorização do real nos últimos tempos. Quando eu era patrocinado na Indy, era 1 para 1 o dólar. Quando eu parei, já estava 3 para 1. E eles já reclamavam naquela época. Tem que ter apoio de empresas grandes pensando lá fora”, diz Giaffone, que correu na Indy de 2001 a 2006.

A criação da F4 no Brasil: uma nova esperança?

A falta de uma categoria importante de monopostos no Brasil é uma barreira que pode começar a ser reduzida já em 2022. A FIA aprovou a criação da F4 no Brasil, uma categoria que será gerida pela mesma empresa que gerencia a Stock Car, a Vicar. Os carros seguirão o padrão da FIA para a F4 no mundo, o que permitirá ter um caminho para os pilotos brasileiros por aqui.

“Nós vivemos de automobilismo e sabemos da importância de uma categoria base, que prepare os pilotos saindo do kart para próximos passos da carreira. Isso não existia no Brasil há anos e estamos pagando o preço disso”, afirma Julianelli, da Vicar.

“Hoje, com toda a plataforma 360 e global que a F1 se transformou, vemos a festa acontecendo e sem nenhum brasileiro nela. Isso é muito ruim pra todos. Iniciamos a discussão assim que assumimos a gestão da Stock Car e chegamos à conclusão que temos que fazer nosso papel no esporte em dar condições técnicas e promocionais para essa garotada”, continua.

“Espero que patrocinadores e imprensa também enxerguem isso e ajudem a empurrar o barco. É fácil todo mundo querer ver um brasileiro vencendo. O importante é todos fazerem sua parte pra que isso tenha chance de acontecer no futuro”, disse ainda Julianelli.

Giaffone também alerta o quanto é importante que as empresas que um dia querem patrocinar a F1 precisam apoiar os pilotos desde a base, a começar pela F4. “É preciso ter um programa de boas empresas ajudando essa molecada toda para que pelo menos apoie os melhores e para que eles consigam sair para as outras categorias”, disse.

“A entrada da F4, bom, não é à toa que meu filho está lá, vai estrear nessa categoria também, é um passo importante não só para o garoto chegar na F1, mas para ele se profissionalizar. É uma categoria de base mundialmente conhecida e forte, então é muito importante. Mas de novo: é preciso ter um programa de boas empresas ajudando essa molecada toda para que pelo menos apoie os melhores e para que eles consigam sair para as outras categorias”, conta Giaffone.

Luciano Burti alerta, porém, que uma categoria como essa custa caro e essa questão pode ser um problema para a continuidade do projeto. “A F4 pode ajudar muito, mas já vi outras categorias aqui no Brasil que, por conta de reduzir custos, precisam fazer cortes. O câmbio hoje, com o dólar, com o euro, deixa tudo muito caro e o que acontece na prática: conseguem pagar uma temporada, mas limitam o número de treinos, limitam o número de jogos de pneus, que sempre são um fator muito caro no orçamento, e com essa redução de custo, os pilotos treinam muito pouco”, analisa Burti.

“O desenvolvimento de um piloto não vem somente em corrida, vem principalmente em treinar, acerto de carro, trocar mola, trocar suspensão, fazer tudo que é acerto aerodinâmico para poder aprender. Aqui no Brasil, os pilotos treinam muito pouco, faz um treino, ao menos era assim na Fórmula Future, treinam muito pouco, já vão direto para a classificação e vão direto para a corrida. Então não é uma formação ideal”, analisou ainda o comentarista do grupo Globo.

“Não sei e não tenho nenhum conhecimento de como será a F4, mas antecipo que essa questão do orçamento vai ser um problema, a questão do câmbio é mais um problema ainda, é um problema maior ainda hoje em dia, e pode passar por essa questão de falta de tempo de treino no carro”, continua o ex-piloto.

Fernando Julianelli sabe que o desafio de uma categoria como essa no Brasil é gigantesco. “O maior desafio é ter um capital para pôr a categoria de pé. Só em carros e peças, investimos cerca de R$ 13 milhões e, além disso, tivemos que passar por uma sabatina da FIA, mostrando quem somos, o quanto sabemos organizar e promover competições, etc.”, conta.

“Acredito que o que precisa é um programa mais direcionado. Dentro do Brasil, por exemplo, pegando empresas grandes, que têm interesse fora do país, como petroleiras, como bancos, e participar, não só patrocinar um carro de F1 esperando que o brasileiro chegue lá, porque para isso acontecer sozinho está cada vez mais difícil. Eles precisam apoiar. A França começou a fazer isso pela Federação Francesa (FFSA) e que vai muito bem. Falta um apoio geral”, afirma Giaffone.

No passado era mais difícil dirigir um F1? Não é bem assim

A falta de brasileiros por vezes é associada a uma falta de talento de pilotos que surjam por aqui. Como vimos, o caminho até a categoria mais importante do automobilismo é árduo e os brasileiros saem muito atrás. Outra ideia que por vezes é propagada é que antigamente era mais difícil pilotar e que os pilotos faziam mais diferença do que atualmente, com carros muito mais avançados em tecnologia.

A F1 é tradicionalmente uma categoria de inovação tecnológica e, por isso, por vezes se cria a impressão que antigamente era mais difícil pilotar do que hoje em dia, especialmente quando se compara vídeos do passado com os atuais. A impressão, porém, está errada, de acordo com Burti e Giaffone, que foram unânimes em dizer que isso não passa de lenda.

“Não, eu não acho que antigamente era mais difícil, acho que tem um pouco de mito nisso. Hoje os pilotos estão muito mais bem preparados. Antes, o que você precisava era um talento mais nato, um piloto que se adapta rápido, porque não tinha simuladores e não tinha tantas corridas”, disse Giaffone.

Burti vai na mesma linha. “Não concordo com isso. As pessoas falam sem ter conhecimento. ‘Ah, antigamente não tinha direção hidráulica, não tinha esse câmbio semiautomático, era na mão, era aquele negócio raiz e o piloto fazia mais diferença’. O fato é que o operacional era muito mais trabalhoso, sem dúvida nenhuma. O volante pesado, câmbio lá na mão, câmbio H, câmbio sequencial, o que for. O operacional era muito mais complicado”.

“O que ninguém entende é que o Senna, de McLaren, de câmbio manual etc., fazia pole position aqui em Interlagos na casa de 1min15s. Hoje em dia, a pole position é de 1min07s, 1min08s. Estamos falando aí de sete segundos de diferença, é uma eternidade no automobilismo. E em um autódromo que o tempo de volta é 1min15s, ou seja, se fosse um autódromo maior, estaria dando oito, nove segundos de diferença, quase 10”, continua o ex-piloto.

“O limite do carro, o limite de velocidade é muito mais alto do que era naquela época. E no final das contas, a dificuldade em pilotar é a mesma. O piloto vai fazer a mesma diferença. Eu uso uma relação que sempre, independentemente de ser o carro de 2021 ou do carro de 1980, o piloto é 30% do resultado, da performance, e o carro os outros 70%. Isso para mim não difere. Antigamente era um carro mais difícil de modo operacional, só que hoje é um carro muito mais veloz. Os limites do piloto são explorados no final da conta da mesma maneira”, disse ainda Burti.

Para chegar ao mais alto nível atualmente, um piloto precisa passar por uma preparação mais ampla e mais profunda do que acontecia há décadas. “Hoje você vê os garotos que fazem a F4 e leva a sério na Europa fazem 70, 80 largadas durante um ano, participando de alguns campeonatos. Hoje são rodadas triplas, então eles estão ganhando muito mais experiência do que antigamente. Antigamente era muito travado, tinha poucas corridas durante o ano, muito menos do que hoje, e você tinha que aprender na prática. Hoje os simuladores encurtaram muito esse caminho”, conta Giaffone.

“No passado, você precisava ter um talento mais natural, porque você só tinha prática mesmo para se adaptar, então aquele piloto que sentava no carro e se adaptava bem tinha mais vantagem do que hoje. Hoje um piloto que não tem esse talento natural acaba desenvolvendo e ficando tão bom quanto. Ajudou muito ter essa parte de simulação”, diz o comentarista da Band e piloto da Copa Truck.

Luciano Burti deixa claro que o piloto continua fazendo diferença da mesma forma como fazia no passado e que esse mito sobre ser mais difícil pilotar no passado é fruto da falta de conhecimento das pessoas. “Quem fala isso, na minha opinião, não tem conhecimento de pilotar um carro e entender qual é a diferença da questão técnica de ter um volante mais leve ou um câmbio mais fácil, mas de estar virando sete, oito, nove segundos mais rápido. Então, acho que são coisas diferentes, mas o piloto faz a mesma diferença que fazia no passado”.

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