William Costa: conheça o ator de Samambaia que chegou à HBO
O ator fala sobre as artes e sua jornada até trabalhar em uma das maiores produtoras brasileiras do momento
atualizado
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Nativo de Minas Gerais, de uma cidade chamada Itambacuri, o ator e cineasta William Costa se mudou para Samambaia aos 12 anos, junto à mãe e aos irmãos. Na região administrativa do Distrito Federal, aprendeu a andar de skate e a amar o cinema – apenas uma das diversas artes com a qual se envolveu. Agora, aos 26, ele esbanja em seu currículo não apenas diversos prêmios por curta-metragens independentes, como papéis em produções da TV Globo e da HBO.
Alguns podem tê-lo conhecido como Piolho, em Pico da Neblina, produzido pela O2 Filmes (Cidade de Deus) e lançado na HBO. Outros o reconhecem como Cleiton, um dos personagens de Segunda Chamada, na TV Globo. Ou ainda vivendo Deco, do filme Bagdá. Junto com seu amigo de infância, Pedro Souza, o rapaz também faz vídeos no YouTube.
“O Pedro é fundamental na minha história. Ele foi alguém que me fez ver um lado de mim que até então eu não conhecia. Eu só queria criar, e essa vontade é tanta que eu tive a disposição de ir lá e botar a mão na massa”, contou William, ao Metrópoles. Foi assim que começou a desenvolver a atuar em seus próprios curtas.
O caminho rumo a HBO começou despretensiosamente. William estava na casa de Pedro – eles iam gravar mais um de seus filmes. Um amigo da dupla, o André, morador de Planaltina, pediu para o colega dar uma força na gravação de um teste de elenco. Os produtores procuravam um ator negro para viver o personagem Biriba – o papel acabou sendo interpretado por Luís Navarro. Porém, após a rápida experiência, o candidato a ator resolveu se arriscar, afinal, já havia aprendido as falas.
Na época, ele e Pedro estavam produzindo o curta Sem Sinal (que ganhou o prêmio de Melhor obra de Ficção pelo Júri Oficial e pelo Júri Popular do Festival Green Nation). Sem levar muito a sério a ideia de atuar, William seguiu o conselho de André, gravou um teste e mandou para avaliação.
Eu sou aquele tipo de pessoa que joga na Mega-Sena não pensando no dinheiro, mas pensando em me motivar – eu jogo, mesmo sabendo que vou perder
William Costa
Alguns dias depois, o jogador teve uma surpresa: recebeu uma ligação da O2, que pediu para ele ir a São Paulo fazer um teste presencial. “Eu não tinha condição financeira de ir. Só que a essa altura, já estava plantado o desejo de ser ator profissional – e depois que você planta a semente aqui dentro da minha cabeça, do meu coração, fudeu! Porque eu não tava conseguindo nem dormir”, brinca.
Após contar com a ajuda de amigos e família, ele então conseguiu juntar o dinheiro para ir a São Paulo e, depois de um longo processo, foi escolhido para passar cinco meses na capital paulista gravando a série. Com viagem e estadia pagos, William diz que começou a sentir medo. “Estava preocupado demais, mas feliz. Eu estava recebendo esse tanto de coisa e me sentia na obrigação de fazer tudo aqui valer a pena. Aí, bate a insegurança, tinha medo de fazer errado”, comenta. No entanto, a preocupação foi diminuindo ao longo do tempo, à medida em que William conhecia a cidade e os colegas de trabalho.
“Se for para pensar na minha vida, estou trabalhando com o que eu gosto, eu fui contra tudo que a vida sempre me ofereceu. Tudo que eu não queria fazer eu fui contra para fazer o que eu queria. Se ser rico se resume a ter poder de escolha, então eu posso dizer que eu sou a pessoa mais rica do mundo”, conta William.
Pico da Neblina
Pico da Neblina, seriado dirigido por Fernando e Quico Meirelles, se passa em um Brasil cuja legalização da maconha foi institucionalizada. Tornado o comércio da erva um empreendimento. O conflito está em Biriba (Navarro), um traficante que pretende legalizar sua vida. Na produção, William é Piolho.
Minha família é meio conservadora, mas, por eu estar na série, eles pararam para assistir. E começaram a debater algumas coisas. Além de ser um seriado foda, é muito importante
William Costa
Quanto ao seu primeiro grande trabalho, William ressalta a liberdade que os diretores de Pico da Neblina deram para ele construir o personagem. A composição, então, foi carregada de algumas influências vividas “na quebrada”. “Fico feliz de ter iniciado o projeto com um personagem como o Piolho porque ele nunca foi um vilão na história. Gostei muito dessa oportunidade e, passo a passo, fui entendendo mais o perfil dele. O Piolho traz uma verdade que, se eu não tomasse cuidado, seria uma verdade minha”, avalia.
A trajetória dos dois tem conexões, jovens, negros, periféricos. “Ele não tem pai nem mãe. Eu tenho mãe. Mesmo assim, o Piolho é muito parecido com os moleques que eu conheço, que se perdem mesmo. Não porque querem tacar o foda-se no sistema ou ser do mal. Eles enxergam outro mundo. É só aquilo que eles veem, então, para onde vão? Estão tentando viver”, explica o ator.
William cresceu neste cenário, no qual violência e desigualdade convivem lado a lado. O jovem lembra de, na sua infância, disputava a pista de skate com jogadores de futebol – afinal, somente a quadra era o espaço de lazer. Ali, próximo ao local, gangues de traficantes disputavam também pontos de vendas de droga.
Neste contexto, o ator perdeu amigos para a criminalidade. “A gente cresceu e o pessoal parou de andar de skate. Como as coisas foram acontecendo para mim e não para um dos meus colegas, ele começou a se envolver com essa galera. Por conta disso, acabou sendo preso”, relata William. Mesmo assim, o jovem viu outros convivas também conseguirem fugir da vida do crime.
“Em Samambaia, por exemplo, não tem só eu que consegui fazer alguma coisa e sair dali. Então, uma coisa que eu pensava muito a respeito de Brasília – e ainda penso – é: a gente critica muito e fala que aqui não tem muita oportunidade, como no Rio de Janeiro ou em São Paulo. De fato, aqui as coisas são mais difíceis, mas muitos artistas, quando começam a se dar bem,sai daqui. Como valorizar a cena daqui?”, indaga. Por isso, William quer valorizar a região, como uma forma de criar igualdade. “A cultura é para os ricos, mas quem precisa são os pobres”, conclui.