Violência contra mulher é pauta da música, televisão e cinema
Gêneros do entretenimento, em especial os folhetins, levaram debates sobre violência doméstica, psicológica e assédio aos espectadores
atualizado
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A cada seis minutos, uma mulher é vítima de violência doméstica, psicológica ou sexual no Brasil. A informação, divulgada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), leva em consideração as denúncias feitas entre janeiro e agosto de 2019. O dado alarmante tem como base o número de queixas registradas no Ligue 180. Só no primeiro semestre deste ano, o canal telefônico já havia registrado aumento de 10,63% em relação ao mesmo período de 2018.
Além de estampar os noticiários policiais, as relações abusivas também tem lugar de destaque na indústria do entretenimento. Produções culturais de diversos segmentos, em especial as novelas e séries, reacenderam debates sobre violência de gênero nas redes sociais, mesas de bar, faculdades e casas das famílias brasileiras.
De acordo com Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), a grande visibilidade dada ao tema pode ser um dos diversos fatores que contribuíram para o aumento no número de denúncias. “Em geral, problematizar a violência contra a mulher e nomear os tipos de violência ajuda a conscientizar a população. Principalmente em produtos culturais de grande alcance como as novelas”, afirma a especialista.
Na televisão
No ar no horário nobre da TV nacional, Amor de Mãe (Globo) traz na trama a personagem Betina (Isis Valverde), agredida fisicamente com frequência pelo ex-marido, Vicente (Rodrigo Garcia). As cenas chegaram ao topo dos assuntos mais comentados do Twitter, com relatos, inclusive, de internautas que reconheceram ter passado pela mesma situação representada na dramaturgia.
Rival da emissora carioca, a Record TV também incluiu uma tentativa de feminicídio na recém-lançada Amor Sem Igual. No roteiro, a garota de programa Poderosa (Day Mesquita) é agredida por Bernardo (Heitor Martinez). Encontrada desacordada, à beira da morte, é levada às pressas ao hospital e consegue se salvar.
Durante todo o ano, o canal dos Marinho inseriu casos abusivos em diferentes produções, entre elas, os folhetins Espelho da Vida, O Sétimo Guardião e A Dona do Pedaço. Além das séries Assédio – obra inspirada nos crimes do médico Roger Abdelmassih – e a primeira temporada de Segunda Chamada, que narra o cotidiano de professores e alunos do ensino noturno. Uma das educadoras, Sônia (Hermila Guedes), apanha frequentemente do marido, Carlos (Otávio Müller).
Confira a repercussão na internet:
Novas narrativas
Como nem sempre quantidade é qualidade, Valeska Zanello salienta para a necessidade de apresentar aos espectadores novas narrativas sobre o universo feminino. Segundo a pesquisadora, não basta reproduzir as violências visíveis, mas debater sobre aquelas profundamente naturalizadas na sociedade, como a objetificação sexual das mulheres, presente nas próprias telenovelas.
“Uma forma de combate à violência de gênero é retratar a mulher em outras tramas, em enredos que não sejam sobre o amor. É impressionante como ainda nas telenovelas a coisa mais importante na vida de uma mulher é ter um parceiro. Nunca é uma carreira, ser bem-sucedida, ser uma cientista, uma ativista”, explica Zanello.
Para a professora, esse tipo de roteiro passa para as jovens a ideia de que é da mulher a responsabilidade não só de encontrar um homem, como mantê-lo a seu lado. E mais, que fracassar na vida amorosa é fracassar como mulher. “Não é à toa que muitas persistem em relações abusivas”, completa.
Na música
A dupla Simone & Simaria lançou, em novembro, um single diferente das costumeiras apostas românticas. Amor que Dói traz discurso combativo e promove a discussão sobre a violência doméstica. A música foi feita especialmente para o projeto #VcTemVoz, do Governo Federal, que visa conscientizar as pessoas sobre a importância de as vítimas procurarem por ajuda, além de divulgar o canal de denúncia, o Ligue 180.
“Se atinge uma, atinge todo mundo. Machuca uma, machuca todo mundo. Você não tá sozinha, não. Então por que não tira a voz do mudo?”, diz trecho da canção. A letra fala, ainda, dos indícios de um relacionamento abusivo e o ciclo de agressões que mantém mulheres reféns de companheiros violentos. A canção ultrapassa 2,5 milhões de visualizações no YouTube.
Em 2019, o Metrópoles iniciou um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.
Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.