Saída de Trump derruba audiência de televisões dos Estados Unidos
Principais veículos da imprensa norte-americana sofreram com a debandada de público após a eleição de Joe Biden
atualizado
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Um dos líderes políticos mais controversos dos últimos anos, Donald Trump foi figurinha carimbada nos noticiários em praticamente todos os dias dos seus quatro anos no comando dos Estados Unidos. Agora, com Joe Biden na Casa Branca, que tem um tom mais moderado e menos midiático que o ex-presidente, as principais emissoras de televisão norte-americanas precisam lidar com uma debandada de público.
Desde a saída de Trump, no final de janeiro, os canais de notícias da TV fechada dos EUA têm sofrido com as quedas bruscas de audiência. Uma das emissoras que mais cresceu com a eleição do empresário, a CNN, viu seu número de espectadores cair pela metade – no horário nobre, por exemplo, o tombo foi de 53% entre o primeiro e o segundo semestre de 2021, de acordo com dados da Nielsen Media Research.
Quem também sofreu foi a MSNBC, que perdeu 38% dos espectadores, na média diária. Já a Fox News, uma das principais aliadas de Donald Trump, teve as menores diferenças, com aproximadamente 10% menos audiência entre os dois primeiros trimestres do ano.
Para o analista político Howard Polskin, que estuda os sites noticiosos de direita dos Estados Unidos, a retórica de Donald Trump era um arsenal rico para a imprensa. Entretanto, as característica de Joe Biden levam a um novo clima: “O nível de tensão em todo o país tem caído consideravelmente”, afirmou, em entrevista ao Washington Post.
Novos canais de informação
De acordo com o pesquisador e professor do mestrado em economia criativa da Universidade Católica de Brasília (UCB), Alexandre Kielling, apesar de Trump ser uma figura bastante midiática, a queda nos números de audiência não se dá exclusivamente pela saída do ex-presidente do poder.
“Foi um movimento natural. Nos últimos anos, vemos uma série de eventos que aproximaram mais o espectador dos canais fechados, como as eleições do ano passado e a própria pandemia de Covid-19, além, é claro, da figura de Trump. Com a derrota dele e a redução da pandemia, as pessoas voltaram a se preocupar muito mais em resolver os próprios problemas”, analisa o especialista.
Além disso, Kielling ressalta que o streaming também é outro fator determinante para a debandada de público dos canais fechados de notícias nos Estados Unidos. Maior audiência da MSNBC, Rachel Maddow, por exemplo, deve deixar o canal no fim do ano com o objetivo de ir para uma plataforma de vídeos sob demanda, segundo o site Daily Beast.
“Não há um desinteresse pela informação, mas sim um movimento do nosso momento civilizatório, em que as pessoas estão buscando sair dos canais de informação tradicionais, como as TVs abertas e por assinatura, para ir para os serviços de streaming. O público está mudando a forma de acesso, ou seja, aquilo que o espectador aprendeu a fazer com o entretenimento também passou a fazer com a informação”, ressalta Kielling.
O especialista complementa: “A Fox News, por exemplo, criou um serviço de streaming nos Estados Unidos com documentários, programas do canal, entrevistas, entre outras coisas, que tem sido um sucesso. As pessoas estão saindo da frequência de recepção no momento que é veiculado para o momento em que elas podem ver, sobretudo as novas gerações”.
Reflexo no Brasil?
Com uma política de comunicação semelhante à do ex-presidente norte-americano, Jair Bolsonaro (sem partido) tem seguido alguns passos de Trump em seus três anos de mandato no Brasil: ataques à imprensa, confronto com outros Poderes e, mais recentemente, uma tentativa de colocar em xeque o processo eleitoral do país. Para Kielling, no entanto, apesar de a presença constante das ações do atual presidente brasileiro garantirem bons números de audiência, uma eventual saída do atual chefe do Executivo pode ter impacto semelhante.
O especialista, entretanto, acredita que o Brasil tenha algumas características distintas daquelas observados nos Estados Unidos.
“Pode acontecer de, durante o processo eleitoral, ter uma tensão maior e Bolsonaro conseguir alavancar a audiência das TVs. Após uma eventual saída, o processo de queda deve acontecer, mas não em patamares tão elevados quanto nos EUA. Bolsonaro não consegue ter o mesmo equilíbrio que Trump tinha com a mídia e já atingiu um nível de descrédito muito grande. Os índices de popularidade do presidente parecem estar muito baixos e isso impacta a audiência. Podemos ver um desinteresse absoluto em relação às manifestações oficiais na televisão”, opina. “A massa de apoiadores do Bolsonaro já está, em sua maioria, nas redes sociais”, finaliza.