Nova onda de remakes faz sucesso, mas mostra queda na criatividade
Especialistas e estudiosos explicam como a produção de remakes voltou a se popularizar e os impactos na indústria
atualizado
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Uma olhada rápida nos catálogos de streamings e nos lançamentos dos cinemas (ou na grade da televisão) basta para confirmar: os remakes, reboots, spin-offs e outras criações baseadas em produtos já existentes estão por todos os lugares. Seja com filmes, séries ou novelas, a ideia de utilizar antigas produções para basear novos conteúdos audiovisuais está sendo cada vez mais utilizada por roteiristas, diretores e dramaturgos.
Recentemente, o icônico filme brasileiro Cidade de Deus foi revisitado e se tornou uma série no Max. A novela Renascer, sucesso nos anos 1990, também ganhou um remake atualizado. Este processo é bem pensado comercialmente pelas produtoras, como explica Selma A. Purac, professora assistente e graduada em Estudos de Mídia e Comunicação na Western University (EUA).
“O foco nos remakes é, em parte, uma estratégia comercial. Financeiramente, faz sentido reciclar uma história ou enredo já bem-sucedido. Tais obras são, portanto, muitas vezes consideradas apostas mais seguras em um mercado tumultuado. Os remakes também têm a vantagem de atingir um público mais amplo. Eles vão agradar a quem experimentou o original e agora está voltando ao remake com nostalgia, mas também vão agradar quem o vivencia pela primeira vez”, explicou ao Metrópoles.
A cineasta brasileira Fernanda Schein, que trabalha com a pós-produção de filmes e séries em Hollywood, afirma que outro motivo é a diminuição de custos de produção ao se reutilzar conteúdos prontos.
Remakes e o fator nostalgia
“Produzir um filme é muito caro, e os custos de marketing e de distribuição também são tão significativos. Uma história nova, na qual o estúdio precisa convencer o espectador a ir pro cinema ou assinar determinada plataforma, é um investimento de alto risco e que pode gerar prejuízos astronômicos. Enquanto isso, uma franquia que aposta na nostalgia do espectador é um investimento de risco muito menor pelo olhar financeiro”, afirmou.
É, neste contexto que os remakes, atualmente, utilizam a nostalgia como estratégia comercial. Coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM, Pedro Curi acredita que como as plataformas geralmente possuem os direitos de obras audiovisuais antigas, a produção de novos conteúdos sobre esses títulos vira uma forma de movimentar o mercado.
“Retomar histórias com apelos maiores é uma maneira de atrair o público do passado e do presente. É a garantia de um público base em um ecossistema cada vez mais disputado de mídia. Com os streamings, é possível que as pessoas vejam os conteúdos originais e os novos remakes, vendendo dois produtos de uma vez só”, destrinchou.
Para além da questão comercial, os remakes também apelam para a questão da nostalgia do espectador por conta da refabricação de memórias que já fazem parte do imaginário de quem assiste às produções. Segundo Selma A. Purac, este movimento, inclusive, tem uma explicação lógica com o atual momento da sociedade, anos após uma pandemia.
“A mídia popular sempre foi uma das principais impulsionadoras da nostalgia. É interessante que os remakes se tornem populares durante épocas de mudanças, quando o futuro é incerto, trazendo uma sensação de conforto. Tendo em vista as incertezas criadas pelo Covid, faz sentido essa produção de conteúdos nostálgicos, resgatando o conforto de uma época mais simples do passado para quem assiste”, detalhou.
Uma análise sobre os 50 filmes de maior bilheteria no mundo, entre 1978 e 2019, aponta que o número de sequências, remakes e reboots está em crescimento desde o início do século 21 – enquanto as produções originais apresentam queda no mesmo período.
E a criatividade?
Apesar de ser considerado segura, rentável e nostálgica, a onda de remakes não vem sem críticas. Para Mauro Alencar, consultor, pesquisador e doutor em Teledramaturgia na USP, a produção audiovisual foi tomada por uma falta de entusiasmo.
“A nova onda de remakes está trazendo um esgotamento e desinteresse pelo gênero telenovela. A vida é uma constante renovação. O público quer uma boa história, bem produzida, com bom elenco, boa música”, opinou. É como contar uma história nova tendo os códigos de uma história já contada no inconsciente coletivo. É preciso saber se o remake é viável dentro de determinado tempo e espaço e se o contexto histórico pede novamente uma temática de tempos atrás”, completa.
O novelista Aguinaldo Silva, em entrevista ao Metrópoles, também se mostrou instatisfeito com a quantidade de produções baseadas em obras antigas. “Acho que a novela acontece na hora em que ela é produzida. Cada novela é uma novela diferente. Quando a novela funciona, ela funciona por uma série de coisas. A novela é única, ela funciona e acaba. Se é outra, então por que não faz uma inédita? Tem muita novela boa e inédita por aí”, opina.
Fernanda Schein avalia que o mercado vive um momento de exaustão da tática. “Acho que agora existe uma sensação de saturação, e o público já começa a mostrar uma certa resistência a certos conteúdos que podem ficar repetitivos e redundantes e buscam por novas alternativas”, pontuou.
Remake tipo exportação
Para superar a saturação dos remakes, as produtoras estão apostando em mudanças de enredos. Nas novelas brasileiras, personagens do passado surgem com finais diferentes nas produções atuais. Nos cinemas e no streaming, parte da história é alterada para agradar os fãs. Segundo Pedro Curi, a estratégia é capaz de trazer um ar de novidade para histórias do passado.
“Os remakes podem ser interessantes quando trazem novas visões de uma antiga história. É uma tendência que está sendo bastante explorada no entretenimento. A Disney tem feito muito isso, trazendo histórias para novos contextos, até mesmo corrigindo falhas temporais”, disse.
Além disso, o coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM também ressaltou que existe um movimento estadunidense de remakes de filmes de outros países como Índia, China, Itália e França, com contextos adaptados, que vem fazendo sucesso. A exemplo de No Ritmo do Coração, que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2022, com uma versão norte-americana do longa La Famille Bélie.
“Existem várias histórias no cinema estadunidense que são remakes de obras de outros países. Eles compram os direitos de filmes estrangeiros e refazem a história em Hollywood. É uma nova forma de recontar as histórias, mas em um contexto local, com adaptações”, finalizou.