Netflix: série Irmandade é thriller tenso dentro e fora da prisão
Produção volta ao ano do tetra para mostrar advogada dividida entre facção criminosa do irmão, vivido por Seu Jorge, e investigação policial
atualizado
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Irmandade, nova série brasileira da Netflix, aproveita à beça aquele pensamento popular de que o Brasil não é para amadores. De fato, qualquer obra de ficção (científica ou não) que queira dramatizar alguma de nossas tantas mazelas sociais pode parecer pálida diante da realidade brutal do país.
Criada por Pedro Morelli (Zoom, Entre Nós), que divide a direção dos episódios com Gustavo Bonafé (O Doutrinador, Legalize Já) e Aly Muritiba (Para Minha Amada Morta, Ferrugem), a atração volta a 1994, ano do tetra, para mostrar a criação de uma facção criminosa num presídio e os efeitos da violência, do abandono das autoridades e do racismo estrutural dentro e fora da cadeia.
O Metrópoles assistiu aos primeiros seis episódios (de oito no total), disponibilizados com antecedência pela plataforma de streaming, e conta o que esperar da produção.
Viver ou morrer no Brasil
A novidade, aqui, é o ponto de vista privilegiado de Cristina (Naruna Costa), advogada que nasceu na periferia e hoje toca carreira promissora no Ministério Público. A vida aparentemente correta e segura se desestabiliza quando ela descobre que o irmão mais velho, Edson (Seu Jorge), passa por maus bocados na infame Ratoeira, penitenciária superlotada de São Paulo.
Edson viveu no Brasil dos anos 1970, em plena ditadura militar. Como jovem negro, sofreu na pele o racismo institucional de um país que impõe terror e castigo aos mais humildes. Preso por alguns quilos de maconha, virou adulto no sistema prisional brasileiro – sabe-se, uma verdadeira universidade do crime.
Mais velho, a ajudou a fundar a chamada Irmandade ao lado de Carniça (Pedro Wagner), bandidão com ares de psicopatia. Uma maneira de fazer frente, não sem um tanto de truculência física e simbólica, à tortura, às condições desumanas de “vida” na prisão, à total falta de perspectivas no cativeiro.
Não havia muito a fazer: reagir ou morrer. Edson, Carniça e seguidores agem com sangue no olho e ódio na veia, vislumbrando estender os braços da organização criminosa para o outro lado das grades.
Thriller policial, Senna e tetra
Irmandade, a série, aplica os padrões envolventes do thriller policial hollywoodiano (reviravoltas, traições, rompantes de violência, procedimentos táticos e estratégicos da lei e do crime) à nossa memória coletiva dos anos 1990, atravessada por levantes em cadeias, massacres, fugas e rebeliões encharcadas de sangue.
Essa realidade obviamente não deixa de ressoar com vivacidade nos tempos atuais, em que o Brasil só é lembrado de seu doentio sistema carcerário quando novos motins povoam os noticiários.
A série acerta ao tomar certa distância temporal e, nesse sentido, trazer uma eficiente recriação de época – hits do rap nacional, em especial dos Racionais MC’s, ajudam bastante. O ano é da morte de Ayrton Senna e do tetracampeonato na Copa do Mundo de futebol. Dissabores e delícias de um país desconcertado pela brutalidade diária, mas traumatizado e encantado pelo que acompanhava em transmissões esportivas.
Quando Cristina se vê forçada a atuar nos dois lados da lei – ajudando Edson e outros presos, como Ivan (Lee Taylor), e colaborando para a investigação policial conduzida pelo ríspido Andrade (Danilo Grangheia) –, a narrativa carrega dilemas e transtornos sociais para o seio familiar. Como acontece no mundo aqui fora, um dos mais afetados é inocente: Marcel (Wesley Guimarães), irmão caçula de Edson e Cristina.
Com atuações faiscantes – além dos principais, Hermila Guedes (Darlene, mulher de Edson) e Tavinho Teixeira (Olivério, diretor da Ratoeira) impressionam –, Irmandade supera o excesso de twists de roteiro e convence por meio sequências eficientes de ação urbana, suspense prisional e drama fraternal.
Avaliação: Bom