Netflix: Inacreditável é forte relato sobre injustiça contra mulheres
A série de true crime da plataforma é a primeira de seu gênero a tratar de um crime de abuso sexual de maneira realística e não-gratuita
atualizado
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A Netflix lançou, no dia 13 de setembro, a minissérie Inacreditável. E esse é realmente a melhor palavra para descrever tudo que acontece ao longo dos oito episódios – protagonizados por um elenco estrelado, que inclui Toni Collette (Hereditário), Kaitlyn Dever (Fora de Série) e Merritt Wever (Birdman).
A série conta a história real de Marie, uma adolescente que passou anos no sistema de adoção e finalmente está morando sozinha. Ela sofre a acusação de mentir às autoridades sobre um estupro que aconteceu no meio da noite e sem nenhuma testemunha nem provas físicas capazes de corroborar sua história. É como se seu agressor nunca tivesse estado em seu apartamento. Paralelamente, duas detetives se juntam para solucionar uma série de violências sexuais no estado de Colorado, nos Estados Unidos.
Além de ser uma das histórias mais difíceis de assistir, a trama ainda tem um toque de esperança, mas não o bastante para ter um final completamente feliz. Essa é uma experiência que fica com as vítimas pelo resto da vida. A narrativa é contada de uma forma que pode até ser um gatilho para vítimas de estupro pelo realismo levado à tela. Antes de assistir, saiba: você vai passar por muita indignação, raiva e agonia, mas não ficará satisfeito com o final da história. Essa não é a meta da série.
É fatigante assistir ao que aconteceu com Marie (Dever); desde seu estupro até à incompetência e dúvidas dos policiais que deveriam a estar ajudando. Ou mesmo o fato de que somente anos depois ela consegue justiça pelo crime cometido contra ela. O telespectador pode até sentir um pouco mais de esperança quando conhece a detetive Karen Duvall (Wever), que, além de ser atenciosa com outra vítima de estupro (interpretada por Danielle Macdonald, de Patti Cake$ e Dumplin’), demonstra ter consciência do peso do caso na vida das mulheres.
Outra grande ajuda no lado dos “mocinhos” vem da teimosa e talentosa detetive Grace Rasmussen (Collette), que também se dedica a encontrar um estuprador em seu condado. Por sorte, Karen vê semelhanças entre seu caso e o de Grace. Toni Collette foi a escolha perfeita para interpretar a detetive durona com um coração de ouro. Ela faz ótima dupla com Merritt Wever, a investigadora disciplinada com voz suave. Juntas, as mentes das mulheres se completam.
Apesar de todo o esforço, uma coincidência foi essencial na hora de solucionar o caso. Se Karen não tivesse percebido as similaridades entre os crimes, eles passariam batidos, como aconteceu com Marie e todas as outras vítimas do mesmo agressor.
Realismo
A série também se mantém realística. No primeiro episódio, após Marie ser interrogada por dois policiais, ela tem de fazer a perícia por violência física e conjunção carnal. A sequência é completamente clínica, sem adornos e de quebrar o coração. Ainda por cima, depois do exame, a jovem é avisada que ela pode começar a pensar em suicídio, e Kaitlyn Dever interpreta perfeitamente a dificuldade da vítima em se expressar.
A série também trata de abuso sexual sem ter cenas de violência gratuita. Os flashbacks de Marie mostram a noite do crime, porém, de sua perspectiva, se vê as coisas confusas, com medo, sem ar e tentando focar em um evento tão traumático. Isso acontece, igualmente, com outras mulheres e o seriado acerta ao mostrar que as reações: uma lembra apenas a voz do agressor, outra se recorda de tudo em detalhes, enquanto Marie tenta bloquear tudo.
Dados
O show é importante não apenas para os Estados Unidos, mas em todos os países no mundo. De acordo com o Atlas da Violência 2018 (Ipea/FBSP) – a primeira vez que o Atlas apresentou uma análise sobre a violência sexual contra mulheres e meninas –, somente no Brasil em 2018 houve 49.497 casos de estupro registrados nas polícias brasileiras e 22.918 estupros nos registros do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso equivale a 135 estupros por dia.
O estudo ainda aponta que, entre 2013 e 2018, o número de registros de estupro no sistema de saúde dobrou, e cerca de 51% dos casos em 2016 vitimaram crianças com menos de 13 anos de idade. Em perspectiva internacional, nos EUA, apenas 15% do total dos estudos são reportados à polícia. Caso a taxa de subnotificação do Brasil fosse igual à americana, isso significaria que aconteceriam entre 300 mil e 500 mil estupros no Brasil a cada ano.
Apesar de não ser uma série divertida, na qual você “esquece” de seus problemas, Inacreditável é uma lição de vida. Não é algo feito para mulheres nem para homens; é um ensaio sobre a injustiça no sistema de justiça americano, que pode ser expandido no mundo inteiro. Tudo é contado de um modo no qual você vai se pegar pensando “não acredito”.
Avaliação: Excelente