O Outro Lado do Paraíso erra ao abordar estupro e pedofilia
Especialistas condenam a forma como os temas foram postos em debate. Violência sexual ganhou força nos últimos anos na TV
atualizado
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A maneira como a TV – em especial novelas e minisséries – aborda determinados temas pauta as discussões na sociedade. Há apenas quatro meses no ar, O Outro Lado do Paraíso tem feito pessoas de todas as camadas sociais refletirem sobre um assunto incômodo, porém necessário, a pedofilia.
Escrita por Walcyr Carrasco, a história da jovem Laura (Bella Piero) estuprada pelo padrasto (Flávio Tolezani) aos 8 anos de idade lembra casos da vida real, tantas vezes presentes nas manchetes dos noticiários.Em O Outro Lado do Paraíso, o autor escreveu uma cena em que Clara (Bianca Bin) é estuprada pelo noivo Gael (Sergio Guizé) durante a lua de mel. A passagem causou polêmica, pois violência dentro do casamento ainda é um grande tabu para a sociedade. Em muitos relacionamentos abusivos, as mulheres sentem-se obrigadas a obedecer aos impulsos do marido.
Nos dois casos, o retrato das violências sexuais foram alvos de críticas por parte de especialistas. Na situação vivida por Laura, a moça procurou uma coach em busca de tratamento – quando o indicado é procurar de psicólogos e psiquiatras. O Conselho Federal de Psicologia afirmou, em nota oficial, que a emissora presta um “desserviço à população brasileira ao tratar com simplismo e interesses mercadológicos” o sentimento de jovens vítimas de abusos sexuais na infância.
Pessoas com sofrimento mental, emocional e existencial intenso devem procurar atendimento psicológico com profissionais da psicologia habilitados para os cuidados com a saúde mental.
Conselho Federal de Psicologia
O Instituto Brasileiro de Coaching também se manifestou sobre a polêmica. “Trauma proveniente de abuso sexual não é, de fato, demanda para coaching”, explicou Marcus Marques, diretor-executivo da entidade.
Estupro no casamento
A sequência de estupros contra Clara, exibida nas primeiras semanas do folhetim, também teve repercussão negativa. Isso porque a vítima não denunciou a violência nem buscou orientação sobre como proceder. “Apesar de servir para alertar a população, os autores têm retratado o tema de maneira muito grave. Algumas pessoas não estão preparadas para ver cenas tão fortes”, acredita a psicóloga Margareth Campo.
Outra abordagem equivocada: no desenrolar da violência, a personagem não denuncia nem se separa do agressor. Pelo contrário, submete-se a abusos cada vez mais graves, que culminam em violência física. Talvez por tamanha repercussão negativa, o autor tenha preparado a reviravolta no destino da protagonista, que já chegou a denunciar e mandar prender o ex-marido. “É necessário muito cuidado com assuntos tão delicados, sofridos e humilhantes. Eu penso que deveria haver um trabalho de conscientização nas comunidades antes de jogar nas novelas”, ressalta Margareth.
Outros enredos
Não é de hoje que cenas de violência sexual são retratadas em produções globais. Nos últimos seis anos, a frequência de tramas envolvendo estupros aumentou consideravelmente. Só em 2017, além de O Outro Lado do Paraíso, outras duas novelas recorreram ao tema: Os Dias Eram Assim e Malhação.
Tramas antigas
Na série As Noivas de Copabacana (1992), o psicopata Donato (Miguel Falabella) estrangulava mulheres vestidas de noiva em pleno ato sexual. Além de gerar debates sobre a violência contra a mulher, a trama chocou pela força das cenas para os padrões daquela geração.
A dramaturgia de Dias Gomes foi inspirada na história real de Heraldo Madureira, carioca que assassinava vítimas vestidas de noiva. Condenado, ele fugiu do manicômio judiciário onde estava preso.
Há 38 anos, estreava a novela Coração Alado na TV Globo. O folhetim, de Janete Clair (1925-1983), chocou a sociedade brasileira ao levar ao ar uma cena de estupro, em plena ditadura militar. O capítulo mostrava Vivian (Vera Fischer) sendo atacada pelo cunhado Leandro (Ney Latorraca).
Em entrevista ao jornal O Globo de 28 de setembro de 1980, Ney chegou a dizer que não enxergava seu personagem como uma pessoa totalmente má. “Qual o homem que não se sentiria atraído por uma cunhada como a Vera Fischer?”, zombou.