Leia entrevista de Selton Mello, Diaz e Carol Abras sobre O Mecanismo
Elenco da série de José Padilha sobre os bastidores da Lava Jato falam de política e dão detalhes da produção
atualizado
Compartilhar notícia
Na série da Netflix O Mecanismo, nomes de personagens reais e instituições são trocados por versões ficcionais. Mas o coração da história é o realismo: um thriller político sobre a operação Lava Jato. Assinada pelo diretor José Padilha (Tropa de Elite, Narcos) e pela roteirista Elena Soarez (Xingu), a trama estreia em 23 de março na plataforma de streaming. Em entrevista ao Metrópoles, Selton Mello, Enrique Diaz e Caroline Abras, astros do seriado, conversam sobre a produção.
Uma série sobre a gigantesca operação em ano de eleição certamente é um convite a debates em mesas de bar e textões em redes sociais. Marco Ruffo (Mello), delegado da Polícia Federal em fim de carreira, investiga os negócios escusos do doleiro Roberto Ibrahim (Diaz). Na vida real, esse duelo também aconteceu: entre Gerson Machado e Alberto Youssef.
“Tem o lado do delegado indomável, ‘bicho’ que não aceita o estado das coisas e luta contra o monstro, a coisa, the thing. Com o Ibrahim, tem o lado familiar. Acho que o público pode enxergar no Ruffo um espelho. ‘Eu também me sinto indignado, olho para tudo isso com perplexidade e me sinto muitas vezes impotente’. Acho que pode ter empatia”, descreve Mello.
O terceiro elemento da trama é Verena Cardoni (Abras), jovem policial disposta a levar adiante a apuração de Ruffo, seu mentor. Os contornos políticos da série, engrossados pelo discurso pessimista de Padilha, não assustam o elenco. Eles veem o assunto como algo incontornável e não temem que a polarização social vista atualmente na sociedade e na internet se estenda para o público da série.
“A minha impressão é de que, quando polariza, gera reflexão”, diz Abras. “Agora que a gente debateu, vamos avançar?! Porque estamos só debatendo”.
Quanto mais se falar disso, mais se pensa sobre o país. Mais chance temos de chegar a um lugar melhor, mais luminoso. É uma série do Padilha com a Elena, o que deu confiança de que a coisa seria bem engendrada e humana
Selton Mello
País no divã: série sobre um Brasil em crise
Em vários momentos da entrevista, realizada no Rio de Janeiro durante o lançamento de O Mecanismo, Diaz se referiu ao duelo de Ruffo e Ibrahim como uma disputa à la Caim e Abel. “Me propus a pensar a coisa como dramaturgia mesmo. E separar isso do real, de certa maneira. Os personagens me agradam muito porque independem do fundo político. Têm autonomia na dramaturgia”, explica.
Abras também acredita que a história transcende opções políticas – “bate em todo mundo”, diz. Ela vê Verena como mais uma mulher lutando contra estruturas que classifica como “dinossáuricas”. “Nasce uma geração de jovens politizados que entendem o Brasil e querem mudar as estruturas. É articulada e inteligente”, continua a atriz.
Acostumado a festivais de cinema e a uma exposição que se limita ao alcance da tradicional televisão brasileira, o elenco enxerga na série uma experiência nova em termos de distribuição: estreia no mesmo dia em 190 países.
“A gente fez teatro, TV aberta, TV a cabo, cinema autoral e pop. É louco você saber que no dia 23 meu pai coruja, um japonês e um cara na Finlândia vão dar play na mesma hora”, brinca Mello, que confessa ser fã de The Crown, trama sobre o reinado de Elizabeth II.
Diaz cita outras narrativas sobre a contemporaneidade política brasileira, como o documentário O Processo, em que a cineasta Maria Augusta Ramos detalha a rachadura que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Passou recentemente no Festival de Berlim.
“É um negócio muito vivo”, reforça o ator sobre a Lava Jato. “Vejo na escrita da Elena essa perspicácia linguística que faz os personagens serem espertos. Por outro lado, jogar com dubiedade sempre vai ser mais interessante para o espectador.”
Diante de um país com tantas convulsões sociais e políticas, Abras vislumbra espaço para mudanças positivas. “Acho que não se pode dizer nunca que não tem esperança. A ideia é sempre melhorar mesmo que não seja para nós, mas para as próximas gerações.”