Há um paralelo entre Lost e Amor de Mãe: eis o Novelaverso
A trama da atual novela das 21h mistura personagens e tenta conectar todos: há espaço até para outras produções globais
atualizado
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Mesmo quase uma década depois do último episódio, os apaixonados por cultura pop não esquecem a série Lost (2004 – 2010), fenômeno no mundo todo. No mote inicial, um acidente de avião une aparentes desconhecidos em ilha misteriosa. Semana após semana descobríamos que antes do ocorrido aquelas pessoas, de uma maneira ou outra, já tinham as vidas interligadas nas mais variadas situações disfarçadas de coincidências.
Atualmente no ar, Amor de Mãe nos faz lembrar o sucesso americano. São tantas as reviravoltas que basta não assistir a apenas um capitulo para ficarmos perdidinhos no dia seguinte. Desde a primeira exibição percebemos: aquela não seria uma trama fácil. Mais do que isso. As histórias mostradas ali tratariam de se encontrar, fato evidente na cena em que Magno (Juliano Cazarré) passa por vários personagens, sem conexão evidente uns com os outros, durante um engarrafamento, trecho com cara do filme Amores Brutos (2000), de Alejandro Gonzáles Iñárritu.
Numa espécie de quadrilha de Drummond, onde José amava Teresa que amava Raimundo, Lurdes (Regina Casé) trabalhava para Vitória (Taís Araújo), é amiga de Thelma (Adriana Esteves), que nutre rivalidade com Vitória, e o filho de Thelma, Danilo (Chay Suede), namora a filha de Lurdes, Camila (Jéssica Ellen), adotada quando outro filho de Lurdes foi roubado, esse rapaz, Sandro (Humberto Carrão), na verdade tem como mãe Vitória. Segundo as mais recentes fofocas, Vitória teria na verdade uma filha, esta Camila, criada por Lurdes, a mesma encontrada no mato quando o outro foi sequestrado… Ufa! E só no núcleo principal. Por aí vai. Para listar aqui todas as relações só com a ajuda de quadro, giz, calculadora, tesoura sem ponta, argila.
Sem contar os easter eggs, né, aquelas referências sutis que só alguns pegam no ar. Lembram daquela teoria de que todos os filmes do Tarantino habitam o mesmo plano? Tipo a Mia Wallace, de Pulp Fiction, ter interpretado Beatrix Kiddo em Kill Bill? Mesma coisa do Sandro usando a camisa do Divino F.C., clube de futebol de Avenida Brasil. É o Dona Lurdes no Novelaverso.
Não é a primeira vez que a TV brasileira apresenta tramas com narrativas mais complexas e cheias de relações esquemáticas. A Próxima Vítima (1995), de Silvio de Abreu, caso raro de suspense no horário nobre, partia de fato específico, só revelado no último capítulo, para justificar a ação do vingativo assassino em série. O Rebu, com versões nas décadas de 1970 e de 2010, também tinha viés investigativo – a morte misteriosa durante uma festa era tema de passado, presente e futuro, o dia anterior ao evento, a celebração em si e as 24 horas seguintes.
Mais recentemente, o autor João Emanuel Carneiro tentou emplacar complicada narrativa em A Regra do Jogo (2015), onde misturou anti-herói com facção criminosa e um antigo atentado, tudo no mesmo balaio. Não deu certo. Novamente evocando Lost, Além do Horizonte (2013), às sete da noite, também aplicou mistério e aventura à la J.J. Abrams na sinopse. Não funcionou. Manuela Dias, agora à frente de Amor de Mãe, foi mais bem sucedida na minissérie Justiça (2016), onde ensaiou o plano de várias histórias que se entrelaçavam.
Na teledramaturgia acontecem tantas reviravoltas impensáveis que ela só não é mais absurda do que a própria vida real. A novela das nove não tem medo desses encontros e desencontros. Mais do que uma teia bem arquitetada de acontecimentos e personagens, ela se sobressai por detalhes mais importantes. O diálogo de Lurdes e a filha Camila, nesta semana, sobre racismo e machismo, violências infelizmente ainda parte do cotidiano, é exemplo disso. Outras pautas, tais como o desinteresse pelo tema da educação, a corrupção em altas esferas de poder e o descaso com o meio ambiente, também mostram o seguinte: qualquer semelhança entre a dura realidade e a ficção não é apenas mera coincidência.