Edson Celulari fala sobre sociedade moderna: “Escravidão não acabou”
Interpretando Dom Sabino, o ator comenta as mudanças do mundo moderno
atualizado
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Edson Celulari está de volta à telinha em O Tempo Não Para. O ator interpreta o impagável Dom Sabino. Após passar 132 anos congelado dentro de um iceberg, o patriarca da família demonstra um curioso fascínio pelo mundo contemporâneo.
Na trama escrita por Mário Teixeira, Dom Sabino precisa enfrentar o avanço da tecnologia e a revolta por ter perdido suas terras – visto que foi dado como morto por mais de um século. Em entrevista ao Metrópoles, o ator falou sobre o personagem e comentou ainda a respeito da superação de um câncer e a relação com os filhos.
A novela está no começo ainda. O que o público pode esperar dela?
A comédia é sobre uma família que viveu no século 19 e, por um acidente que ocorreu numa viagem, é transportada num iceberg para a costa do Guarujá (SP). A partir daí, vão enfrentar essa diferença de 132 anos, com uma tecnologia e uma sociedade completamente diferentes. Passado o choque, os personagens são inseridos na trama do folhetim com suas histórias divertidas e interessantes. Há romances, questões envolvendo a família e outros temas.
Como é o Dom Sabino?
É um homem de temperamento único, muito decidido e que vive para a família. Ele tentou ter um filho homem, mas teve três meninas. Dom Sabino as ama, mas sente falta de um filho varão para poder ser o herdeiro. Ele vai se confrontar com esse mundo de hoje de uma forma muito particular. Decidido, não aceita injustiças e vai enfrentar situações muito engraçadas. Ele era dono de metade de São Paulo, e, quando se vê sem nada, vai atrás de seus direitos.
Dom Sabino vai brigar com as pessoas para defender as filhas?
Ele não pode ver injustiça. Se for um homem olhando paras as filhas, ele vai querer pegar o bacamarte. Como no primeiro capítulo, em que ele sai dando tiros para ver se espanta. É um personagem com adrenalina lá em cima.
Após o descongelamento, Dom Sabino se encanta por Carmen (Christiane Torloni). Como ficará o casamento com a Dona Agustina (Rosi Campos)?
Além de ter essa história familiar com a personagem da Rosi, que é a mãe e esposa, ele vai descobrir uma mulher moderna, também da faixa etária deles: a Carmen. Trata-se de uma mulher independente, como ele nunca tinha visto. Vamos ver para onde essa trama vai nos levar!
Como você enxerga os avanços tecnológicos das últimas décadas?
Eu me lembro de um aparelho celular que era um tijolo. Enfrento tudo com muita naturalidade, mas é claro que fico surpreso. Dom Sabino é um progressista, um cara da época do Império, mas, ao mesmo tempo, muito curioso. Investe em estradas de ferro, telefonia, é ligado ao progresso. Sou igual a ele, gosto do progresso.
Dom Sabino era abolicionista?
Não. Ele defendia o imperador, era contra a República. Ao mesmo tempo em que era ligado a coisas novas, na política, era conservador.
Uma vez descongelado, como ele encara tudo que aconteceu ao longo do tempo?
É bonito isso, pois ele começa a reavaliar. O Império não existe mais e a República entrou logo depois da abolição dos escravos. E o que foi feito do mundo? Será que foram coisas boas?
É um desafio muito grande interpretar um personagem como esse?
Em qualquer novela de época, você tem que ser fiel às informações daquele período. Ao mesmo tempo, é preciso contar uma história. A dificuldade maior de Dom Sabino é ter o conhecimento de que ele, outrora dono da metade de São Paulo, perdeu tudo. Ele não tinha herdeiros e a família “morreu” no naufrágio. Então, as terras ficaram para o Império e ele vai lutar por justiça. Ao mesmo tempo, Dom Sabino tem uma forma de se expressar que é típica daquele período. Nós fizemos um trabalho de prosódia e comportamento.
Como está sendo a parceria com Milton Gonçalves, que vive o Eliseu?
Eu estou honrado. Nunca tínhamos trabalhado juntos e ele é um homem negro que faz parte da televisão brasileira. É muito legal uma novela que discute isso tudo. A ética de Dom Sabino é a mesma dele como chefe de família. Têm valores iguais e prezam o respeito, o valor da palavra, o “fio do bigode”, como se falava. Essa comunhão entre os personagens os aproxima. Tanto que o Eliseu abre a casa dele para receber a família de Dom Sabino. Ao mesmo tempo, é um homem que cata material reciclado para fazer dinheiro. Dom Sabino acha isso um horror, indigno. No tempo dele, jamais permitiria um escravo fazer esse tipo de serviço. Puxar uma carroça é para um boi, um animal. Ele não aceita isso. Mas o Eliseu diz: “Não, é assim mesmo. É a realidade”. E Dom Sabino vai se deparando com essas questões. Tem uma frase que ele adora dizer: “Bela abolição esta! Estou vendo um monte de crianças negras passando fome, um negro que puxa uma carroça. Cadê a abolição?”. É uma discussão interessante, contemporânea.
Como você analisa a escravidão?
Há vários tipos de escravidão. Ela não veio só com o negro aqui para o Brasil. A escravidão existe na história da humanidade há milênios. Infelizmente, não terminou. Ela fica, muitas vezes, disfarçada. Com relação especificamente à situação do negro no Brasil, o que eu estou vendo hoje é um movimento muito saudável de instalação do próprio espaço, de busca, de conquista. No elenco da TV Globo, conquistou-se muito espaço. Hoje, um negro não é só empregado, ele interpreta personagens importantes. O Lázaro Ramos é um lindo exemplo de um grande ator, de um homem bem-sucedido e ativo na questão do racismo. A esposa (Taís Araújo) também. E tem tantos outros negros. Eu fico feliz de ver isso. Mas que a escravidão tenha acabado? Não, infelizmente não!
Você está completando 40 anos de uma carreira de sucesso. O que traz do Edson Celulari de lá do início?
A gente não muda, a gente continua. Acho que adquirimos coisas e perdemos outras. E, nessa troca, a essência fica. Aos 20 anos, eu já tinha saído de Bauru (SP). Não morar na zona urbana te dá uma visão de mundo, uma prática de vida diferenciada até nos valores: relação com os animais, com a natureza e seu ciclo, as frutas, a colheita, o plantar da horta e tudo mais. Obviamente, adquiri informação, conquistei espaços que me interessavam e quero outros. Desejo começar a dirigir cinema e a escrever. Tenho muitos projetos a realizar.
Recentemente, você enfrentou um câncer e agora está de volta às telas assumindo um papel de protagonista. Como é conciliar os cuidados com a saúde e a atuação?
Quando eu estava ainda no processo do tratamento, estava escalado para a novela da Glória (Perez) e ela me ligou. Pensei que estivesse fora, mas ela falou: “Edson, você está com a gente?”. Eu respondi: “Calma, Glória”. Ela falou a data e, no período, eu estaria sem cabelo. Então, ela disse:“Eu quero você careca, de qualquer jeito”. Aquilo, para mim, foi um grande estímulo.
A Sophia está com 15 anos. Como é a relação com sua filha em casa?
Minha preocupação não é com relação ao mundo, é com relação a ela, na verdade. A sociedade está aí e vai exigir dela o que exige da gente. A questão é saber se ela está preparada para enfrentar isso.
Você tem ciúmes quando o assunto é sobre namorado?
Eu pensei que fosse ter mais. Estou até me surpreendendo. Acho que o Dom Sabino está me ensinando a como não reagir, a ficar um pouco mais relaxado.
Você tem muitas cenas com a Juliana Paiva (Marocas) e o Nicolas Prattes (Samuca). Como é contracenar com essa nova geração da teledramaturgia?
Eu tinha trabalhado com a Juliana na novela anterior da Glória, A Força do Querer. O Nicolas eu não conhecia. Conversei sobre a qualidade dos dois, que são tão jovens e encaram com seriedade o ofício.