Crítica: Stranger Things 3 articula terror e crises da adolescência
Terceira temporada da série divide personagens em missões paralelas à procura de pistas sobre o retorno do Devorador de Mentes a Hawkins
atualizado
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Em Stranger Things 3, terceira temporada da série-sensação da Netflix criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer, a adolescência chega para a criançada de Hawkins, com amores, crises e divisões. Ao mesmo tempo, a ameaça que parecia distante após Onze (Millie Bobby Brown) fechar o portal para o Mundo Invertido agora volta ainda mais virulenta. O Devorador de Mentes procura novos corpos para seguir assombrando os paranoicos anos 1980. Não apenas alguns, mas o suficiente para um esquadrão de hospedeiros algo zumbis.
No verão de 1985, a experiência teen dos personagens principais corre em paralelo a uma série de mudanças em Hawkins. Uma delas envolve a construção de um shopping, o Starcourt, que massacra negócios familiares e locais e bagunça o tecido social e econômico da região.
A outra, uma coleção de fenômenos estranhos e aparentemente isolados. É aí que os irmãos Duffer bolam o grande acerto desta temporada, bem superior à segunda: fracionar a ação em mini-núcleos de suspense, investigação e colaboração. Cada pista deixada pelo Devorador desperta o medo e a coragem de todos os personagens que importam.
Núcleos detetivescos
Joyce e Hopper (David Harbour), numa dinâmica de falso casal, tentam entender por que ímãs de geladeira pararam de funcionar. Acabam revisitando o laboratório, hoje desativado, que servia de acesso ao Mundo Invertido. Nancy (Natalia Dyer) e Jonathan (Charlie Heaton), casal de estagiários no jornal The Hawkins Post, desafiam o cinismo dos repórteres veteranos da redação e vão atrás de relatos sobre o estranho fenômeno de ratos devorando fertilizantes pela cidade.
E a molecada? O namoro de Mike (Finn Wolfhard) e Eleven mexe com a harmonia da turma. E faz mui bem ao roteiro, criando crises inéditas para o grupo. Will (Noah Schnapp) sente na pele as novas movimentações do Devorador, mas se vê isolado – os amigos só conversam de relacionamentos enquanto ele se refugia em jogos de RPG.
Dustin (Gaten Matarazzo) volta de um acampamento de ciência com experimentos na bagagem. Mas também não atrai a atenção da galera como gostaria. Seu rádio amador intercepta o que parece ser comunicação secreta de “russos do mau”. Steve (Joe Keery) e a nova personagem Robin (Maya Hawke), sua chefe na sorveteria do shopping, ajudam o nerd inventor a decifrar as transmissões.
Começo moroso e referências
As tais referências aos anos 1980, tanto tendão de Aquiles como razão para a popularidade universal da série, encontram talvez uma abordagem mais madura e franca por parte dos irmãos Duffer. Stranger Things, até pelo status que tem, poderia correr mais riscos, é verdade. Mas não dá para esperar isso de um programa tão refém da nostalgia fetichista que ele próprio cria e cultiva.
Mesmo assim, a terceira temporada consegue conjugar links espertos à estruturação da trama. A sessão de cinema de Dia dos Mortos (1985), clássico de George A. Romero, por exemplo, alude ao que veremos dali em diante. Billy (Dacre Montgomery), antes um antagonista bonitão/babaca clichê, agora zanza por Hawkins como um zumbi a serviço do Devorador, recrutando quem cruzar seu caminho. Isso sem falar na outra piscada inegável ao universo romeriano: o shopping, cenário de Despertar dos Mortos (1978), como o vilão gerado pelo progresso sem freios.
Se os dois primeiros episódios vacilam neste recomeço de Stranger Things como programa adolescente, os seguintes conseguem pelo menos filiar a vida teen a um clima de terror mais envolvente e pesado do que de costume. Não por acaso, um horror que envolve, entre outras coisas, a metamorfose do corpo, epicentro atemporal da experiência adolescente.
Avaliação: Bom