Crítica: Bird Box usa monstros para falar sobre família e maternidade
Sandra Bullock tenta sobreviver e ao mesmo tempo criar os filhos, neste eficiente thriller psicológico produzido pela Netflix
atualizado
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O mundo está acabando. Entidades misteriosas surgem na Terra, fazendo as pessoas que as enxergam terem um desejo fulminante de se matar. Em meio a esse cenário caótico, uma mulher tenta manter seus filhos a salvo, identificando quem são os aliados e os inimigos ao longo da jornada.
Histórias de sobrevivência e cenários pós-apocalípticos não são contos originais em Hollywood (The Walking Dead, Um Lugar Silencioso, Fim dos Tempos). No entanto, assim como os personagens de Bird Box – produção original da Netflix que estreia no dia 21 de dezembro na plataforma de streaming – precisam usar vendas para evitarem a visão das criaturas e explorar outros sentidos para sobreviver, o espectador necessita enxergar além da superfície, numa tentativa de desvendar os significados do longa.
Adaptado do livro homônimo escrito pelo norte-americano Josh Malerman, lançado em 2014, e dirigido com maestria pela dinamarquesa Susanne Bier, Bird Box encontra uma de suas principais forças na atuação de Sandra Bullock, que interpreta Mallorie Shannon. Logo na primeira cena, no tempo presente, nós a vemos se dirigir a duas crianças, com dureza e urgência, preparando-as para a difícil missão de cruzar um rio e encontrar porto seguro, afirmando que elas irão morrer se retirarem as vendas. No outro eixo narrativo, cinco anos no passado, somos apresentados à protagonista ainda grávida, incerta sobre a maternidade e a obrigação de amar o(s) fruto(s) do seu ventre.
Enquanto esses dois eixos temporais não se encontram, Mallorie, essa mulher fechada e reclusa, encontra, ao longo do caminho e em meio ao caos, personagens que ora confirmam o seu distanciamento como a postura mais indicada diante das circunstâncias, ora lhe apresentam o afeto, o amor e a doçura como caminhos possíveis, mesmo em um cenário tão desesperançoso.
No primeiro grupo, o principal representante é Douglas (interpretado pelo sempre certeiro John Malkovich), o rabugento dono da casa onde uma turma de sobreviventes encontra acidental refúgio da morte certa no mundo exterior. No segundo, Jessica Shannon (Sarah Paulson), a irmã de Mallorie, e Olympia (Danielle MacDonald) apelam para o lado sentimental da protagonista com variados graus de sucesso.
Nenhuma delas, no entanto, é tão essencial para o arco da personagem quanto Tom (Trevante Rhodes, de Moonlight), um sensível e acolhedor veterano de guerra que se torna uma figura paterna, criando um contraponto amoroso à armadura fria de Mallorie. Nesse ponto, ao tentar fazer o seu melhor frente a condições adversas, acertando, errando, discutindo a melhor formar de proceder e educar, Bird Box se revela como uma grande metáfora sobre família e maternidade, com todos os seus desafios e contradições.
Essa alegoria ganha substância com os cortes rápidos, desorientantes, que nos impedem de apontar a real localização do perigo, e com Sandra Bullock caminhando de olhos vendados, tentando manter seus filhos seguros, sem saber o que a espera pela frente. Em outras palavras, agindo como mãe.
Tais elementos, somados ao afiado elenco e à decisão acertada de não focar a mitologia ou aparência dos monstros, ajudam Bird Box a se diferenciar de outros filmes do gênero e ganhar contornos de singularidade, resultando em um thriller psicológico assustador, eficiente e tenso, mas com fortes ganchos emocionais.
Avaliação: Ótimo