Cauã pobre e Cauã rico: a desigualdade na novela Um Lugar ao Sol
Diretores contam quais foram as estratégias para que o ator Cauã Reymond desse cara à pobreza e à riqueza na TV Globo
atualizado
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São Paulo — Os personagens viraram motivo de piada nas redes: o Cauã pobre e o Cauã rico. Mas as diferenças da falta de renda vão além da conta bancária. Em entrevista ao Metrópoles, diretores da novela Um Lugar ao Sol, da TV Globo, contaram como os gêmeos Christian e Renato, interpretados pelo ator Cauã Reymond, foram concebidos para retratar as diferentes consequências da desigualdade brasileira, agravada pela pandemia do coronavírus.
“Quando se fala em Cauã pobre e Cauã rico, diminui a potência do personagem. É mais do que isso. É sobre as consequências de ele ser pobre e ser rico. É uma metáfora para o que acontece com uma pessoa pobre e com uma pessoa rica”, avalia Pedro Freire, um dos diretores da novela concebida por Lícia Manzo. “É uma mentira falar que se você acreditar nos seus sonhos você vai conseguir atingi-los.”
A equipe do folhetim buscou retratar não só as consequências da pobreza, mas também os efeitos da educação de pouca qualidade.
“Um foi criado na pobreza, na limitação, e ensinado pela vida dura que não podia correr atrás dos seus sonhos porque não ia conseguir. Já o outro foi criado na abundância tão extrema que virou falta de limites. A gente está num momento de falar muito sobre desigualdade social no Brasil e esse é um tema que afeta muito a autora Lícia Manzo”, conta Freire.
Reymond já tinha interpretado gêmeos quando foi protagonista da minissérie Dois Irmãos (2017). A recente novela das nove se desenvolve em torno do que acontece quando o gêmeo pobre, Christian, assume a vida do rico, Renato. O “roubo” de identidade se concretiza logo no terceiro capítulo, quando os dois parentes se encontram pessoalmente e o irmão rico tenta salvar a pele do irmão pobre em uma favela, mas acaba morto por traficantes.
Sem exageros
O diretor artístico da novela, Maurício Farias, avalia que o desafio da novela era diferenciar os personagens sem exageros, mantendo semelhanças.
“Renato era mais impulsivo, arrogante, revoltado, apaixonado, inconstante, inquieto, perdido. Já Christian é mais cerebral, introspectivo, sofrido, romântico, batalhador, fiel, cheio de planos”, destaca.
Pela proposta de ilustrar como a pobreza e a riqueza se manifestam para além da conta bancária, a equipe buscou diferenciar os personagens não só nas roupas que usam, mas também na postura de Reymond nas cenas.
“Existem detalhes que ajudam a contar isso, como Christian estar sempre com o corpo sempre mais retesado, mais reprimido. Já Renato está sempre fumando e com postura corporal mais aberta, sem medo do mundo”, avalia Freire.
Filmar os dois personagens nas mesmas cenas exigiu não só mais criatividade do ator, de roteiristas, de preparadores e de diretores, mas também saiu mais caro.
“Justamente porque o aparato tecnológico é maior. É mais caro, mas o resultado é muito melhor”, avalia o diretor artístico.
Personagem trágico
Farias também já dirigiu a novela Cara & Coroa, sucesso de 1995, em que uma mesma atriz (Christiane Torloni) interpretava gêmeas. E uma delas também assumia a vida da outra. Para ele, personagens gêmeos representam “muito bem os dois lados que temos dentro de nós”.
“O sucesso é difícil explicar. Duas pessoas idênticas, muitas vezes interligadas sensitivamente, parecidas em suas personalidades até mesmo quando são separadas, são fascinantes para o público”, avalia Farias.
Ao contrário da trama de Cara & Coroa, onde as gêmeas teoricamente se dão bem e sobrevivem, Freire avalia que a história de Um Lugar ao Sol deixou pouco espaço para a redenção do protagonista que assumiu a vida do irmão.
“Do meu ponto de vista, o que o Cristian faz é irreconciliável. Então é um personagem trágico que se afunda nos próprios desejos. Há um ponto de não retorno. A novela inteira gira em torno desta questão: será que ele vai se redimir? Acho difícil”, concluiu.