“Boca a Boca é sobre o vírus do conservadorismo”, diz diretor Esmir Filho
Série nacional da Netflix é um dos principais laçamentos do serviço de streaming em 2020
atualizado
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Boca a Boca está na lista das boas surpresas lançadas pela Netflix neste contexto de pandemia de Covid-19. Não à toa, a série nacional virou um hit, conquistando público e crítica. Entre os motivos do sucesso, estão o timing, o visual e a trama. “É sobre o vírus do conservadorismo”, afirmou Esmir Filho, em entrevista ao Metrópoles.
Boca a Boca conta a história da cidade ficcional de Progresso – o seriado foi gravado em Goiás Velho, a 269 quilômetros de Brasília. A comunidade, então, é abalada pelo surgimento de um vírus, que infecta os jovens por meio dos beijos.
O timing é inevitável, afinal, o seriado surgiu em meio à pandemia de Covid-19. O que virou um atrativo da produção da Netflix. Trata-se, é claro, de uma coincidência em relação ao coronavírus, mas não sobre os comportamentos humanos nas pandemias.
“Eu criei a série há dois anos e queria discutir sexualidade. Pensei muito na epidemia de HIV, que gerou um quadro social de preconceito contra alguns corpos. [Mas] nunca teria imaginado o lançamento neste contexto, e a série acabou servindo para refletirmos como reagimos de forma parecida nos quadros epidêmicos”, avaliou Esmir.
Boca a Boca segue a boa safra de séries brasileiras na Netflix, principalmente, aquelas que abordam ficção científica e suspense, como 3%. No seriado, o criador e os roteiristas buscaram unir os elementos do sci-fi, do thriller com a brasilidade.
Preconceito, vírus e reflexão
“Criamos uma alegoria para discutir o Brasil por meio de progresso. Na Fazenda Nero, por exemplo, tem a sede e a colônia, algo que remete ao passado colonial do país. Nossa nação é de contrastes, do tecnológico [a internet] e o agrário”, explica o diretor.
Esmir Filho aponta que, entre as alegorias de Boca a Boca, a discussão sobre os preconceitos (sexuais, raciais e sociais) são bases fortes da trama.
“Nossa intenção era discutir o Brasil dentro de uma fábula do afeto. O vírus da série é o do conservadorismo, que cala o corpo dos jovens, que anula a sexualidade”, pontua Esmir. “[O antídoto] é o amor, a compreensão. Colocamos uma leitura de compreender o outro, de acabar com a exclusão”, completa.
Inspirações
Para tratar de temas cercado de tantas barreiras (motivadas, em grande parte, por preconceitos), Esmir buscou inspiração em grandes obras da ficção científica e em seu próprio trabalho como cineasta.
Um deles é o quadrinho Black Hole, no qual uma praga se espalha entre jovens por meio do contato sexual, gerando uma onda de preconceito na sociedade. Outra inspiração é o filme do diretor chamado Os Famosos e os Duendes da Morte (2010).
“Adoro essa coisa de trabalhar a sexualidade ligada ao suspense”, atesta Esmir. “Boca a Boca discute isso, o que é pior, um vírus ou homofobia? O racismo”, indaga.
Sequência
Esmir e a Netflix ainda não confirmam a segunda temporada de Boca a Boca. Mas, a julgar pela repercussão positiva do seriado, é provável que uma sequência seja anunciada em breve.
“A gente ainda não confirmou, mas tenho um monte de ideias e vontade”, confessa Esmir. O diretor explica que o atual contexto de isolamento social não seria um problema.
“Precisaríamos, ao menos, de 6 meses para definir roteiro. Acredito que teríamos tempos para as coisas normalizarem. E, na hora de voltar a filmar, vamos ver como os outros estão fazendo para trabalhar em segurança”, conclui.