A Dona do Pedaço: novela foi mix de acertos e erros bizarros
Confira uma lista do que deu muito certo e daquilo que não foi tão bem na trama de Walcyr Carrasco
atualizado
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Taranranran, taranranran ran ran ran ran ran, tararararan. Não reconheceu o instrumental? Cheia de manias, toda dengosa… A Dona do Pedaço está no ar. Mas agora por pouco tempo. Para tristeza dos fãs e alegria dos haters, o pagode raiz, as receitas de bolo e as inúmeras “licenças poéticas” da novela das nove global chegam ao fim nesta sexta-feira (22/11).
No lado positivo, o resgate da audiência em queda do horário, após as performances ingratas das antecessoras, foi conquistado com sucesso. Mérito de Walcyr Carrasco que, inclusive, já havia cumprido a tarefa em sua empreitada anterior, O Outro Lado do Paraíso, há apenas dois anos.
Por conta desse toque de Midas no Ibope, o autor pode ser considerado um salvador da pátria. No entanto, tudo vem com um preço. Na conquista desse sucesso, a verossimilhança, dentre outros fatores importantes de enredo, teve de ser deixada de lado e isso desagradou muita gente.
Então, sejamos justos. Na despedida de A Dona do Pedaço vamos enumerar qualidades e defeitos mostrados em seis meses de novela. Erga sua cabeça, mete o pé, vai na fé, confira, concorde e discorde, estamos aqui para isso.
Acertos de A Dona do Pedaço
Melhor idade
No vigente universo audiovisual, dominado por quem ainda não precisa usar o creme Renew, a escalação de atores com mais de 70 anos foi um dos pontos altos de A Dona do Pedaço (mesmo que seus personagens e núcleos tenham padecido com as tramas por vezes pífias).
Tivemos Suely Franco, Ary Fontoura e Nívea Maria em fofo triângulo amoroso; Betty Faria, Marco Nanini, Tonico Pereira e até Berta Loran, 93 anos, no núcleo mais leve da trama, e mais Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho, além das participações especiais de Laura Cardoso e Fernanda Montenegro, esta última de arma em punho, que tiro foi esse?, no maior estilo vovó metralha.
Química sertaneja
Se os romances de Maria da Paz não conseguiram empolgar ninguém, em compensação um casal da novela fez o Brasil vibrar. E ao som de Marília Mendonça. Estamos falando da digital influencer Vivi Guedes e do tonto pistoleiro Chiclete sem sobrenome. Só melhoraria se eles fizessem parte de algum núcleo cômico. Sabe uma coisa meio Tancinha de Claudia Raia com um Raí de Quatro por Quatro?
De qualquer forma, o amor bandido da blogueirinha e do aparvalhado bad boy deu liga e roubou a cena. Vamos só deixar de lado o fato de ele quase ter matado a musa da internet por não conseguir analisar uma mísera foto ou de ainda o grande empecilho dos dois ser um policial (!) maníaco (!!) que abandonou a mulher que amava no altar só para depois casar com ela e mantê-la em cárcere privado vigiada por uma governanta robótica (!!!).
Maria de Fátima reloaded
Imortalizado na cultura pop, do cinema (Almas em Suplício) à TV (Vale Tudo), o enredo “filha deslumbrada quer-ganhar-dinheiro-só-por-existir odeia a mãe porque ela sabe que o que paga as contas é o famoso salário” pode ser considerado um clássico.
A história de Josiane (“JÔ, QUANTAS VEZES EU TENHO QUE REPETIR QUE MEU NOME É JÔ?”), perdão, a história de Jô e sua aversão pela excêntrica empresária toda trabalhada no animal print a quem ela chama de mãe, nunca foi bem explicada. Aparentemente era algo com a palavra “boleira”, eu, hein. Defender uma personagem assim, que vai da rica mimada para a psicopata à la Ted Bundy terminando na convertida religiosa em poucos meses, não é tarefa para qualquer atriz. Palmas para Agatha Moreira pelo desafio.
Luz, câmera, ação
Em tudo o que pecou no roteiro, A Dona do Pedaço ao menos entregou em qualidade estética. Com direção geral de Amora Manter, a trama teve uma abertura muito legal, trilha variada (de Evidências a Billie Eilish), belos enquadramentos, figurinos condizentes (com destaque para Vivi Guedes dia sim, dia não vestida de papel laminado) e por aí vai.
A novela também conseguiu dar o clima paulistano que a trama pedia, ponto para a equipe. Meu único adendo, mas essa não é uma exclusividade da novela das nove, é com relação às internas – aquelas casas que parecem um ambiente pronto da Tok&Stok poderiam ser mais reais, né? Uma lâmpada queimada aqui, um adesivo prendendo a geladeira ali. Gente como a gente. Ah, sim, e vamos ficar de olho no chroma key também. Aquele efeito do homem que a Josiane jogou da varanda tava pior que o do Chapolin com as pílulas de Nanicolina. Padrão Globo de Qualidade, por favor, não se vá.
Erros de A Dona do Pedaço
Desserviços constantes
Há quem argumente que novela é novela, jornal é jornal – ou seja, o papel de discutir certos assuntos não cabe ao nosso maior produto cultural. Eu discordo. Acredito na teledramaturgia como instrumento poderoso para analisarmos um país, uma época e, por que não?, trazer assuntos importantes às salas de estar dos brasileiros. Muitos autores fazem isso com maestria, caso de Manoel Carlos e Gloria Perez. Walcyr Carrasco vai ter que se esforçar para fazer parte dessa turma.
Não é de hoje que o autor imprime em seus roteiros inúmeros desserviços às mais diversas causas. Por exemplo, a da transexual Britney, assunto tratado sem a menor sutileza. Em alguns momentos parece que havia até uma tentativa de fazer graça. Só não falo que parece coisa do Zorra porque o Zorra tá muito bom de uns anos pra cá.
Tivemos ainda a professora que levou um tapa do aluno e esse enredo… bom, eu perdi, devia estar jogando Candy Crush. A gordofobia sofrida pela personagem de Mel Maia, também perseguida por um pedófilo, eu também não sei onde foi parar. A esposa do Marcos Palmeira, uma enfermeira, fingindo ter uma doença terminal para manter o marido em casa? Só o Candy Crush na causa, galera, para evitar a zapeada.
Adeus, verossimilhança
Para fazer e assistir novela é preciso desligar um pouco aquela chavinha do racional. Eu disse “um pouco”. Na busca para um entendimento completo do enredo, como se precisasse, A Dona do Pedaço abusou da chamada suspensão da descrença. Maria da Paz, por exemplo. Não à toa a internet a chama carinhosamente de A Trouxa do Pedaço. Self-made woman, ela começou do nada. Tinha nos bolsos R$ 5 e um punhado de farinha. Criou um império. Mas se a filha chegasse para ela e dissesse: “Mamãe, sabe o que eu acho que seria uma boa? A gente explodir a fábrica de bolos só pra ver como é”. Maria da Paz era capaz de completar: “Claro, segura aqui a dinamite que eu vou pedir pro Márcio trazer um fósforo”.
E aquele documento misteriosíssimo que invalidava a compra da fábrica e sumiu? Ela deve ter usado na aula de papel machê! Fabiana, cuja atividade profissional mais relevante era a tabela de compra de velas e hábitos no convento onde foi criada, em poucos meses conseguiu dar o golpe não em uma, mas em duas empresas, estava prestes a estampar a capa da Forbes. Fico por aqui porque tempo é dinheiro e paciência tem limite.
Desvios de rota
Quando começou, A Dona do Pedaço tinha uma premissa meio Romeu & Julieta com catchup, meio Kill Bill sem azeitona. O amor impossível do casal central, aliado à rivalidade entre as famílias Ramires e Matheus, era o cerne da trama. Tanto que a mocinha era obrigada a fugir, começava a fazer bolos e daí a trama se desenvolvia. Só que de repente, não mais que de repente, esse enredo sumiu.
De mulher mais procurada dos cinco continentes e dos Sete Reinos de Westeros, Maria da Paz, a Primeira de Seu Nome, foi meio que perdoada sem mais nem menos, a guerra acabou assim, rapidex. Liga lá na ONU e conta o segredo. A mesma coisa aconteceu com as sobrinhas desaparecidas da boleira, que prometeu nunca descansar até encontrá-las. Até que chegou em São Paulo, descansou e esqueceu. Os grandes embates entre ela, Vivi e Fabiana foram deixados de lado. Quem esperava mais um round entre Juliana Paes e Paolla Oliveira, antagonistas também em A Força do Querer, um dos raros acertos do horário das nove nesta década, vai ter que sentar e pedir uma fatia de bolo mágico para passar o tempo.
Até os romances foram esquecidos. Maria da Paz, coitada, definitivamente não deu sorte no amor. O advogado Amadeu tinha tanta graça quanto passar a tarde inteira em uma fila de cartório. Já o bon vivant Régis parecia vinho caro, mas era o maior vinagre. Tô certo ou tô errado? Se o autor da novela eu fosse, a protagonista acabaria a trama entrando no Tinder antes do grande letreiro de FIM invadir a tela.
Jogados para escanteio
O tópico anterior serve também para outras tramas da novela e principalmente para o desperdício de certos atores em papéis aquém de suas capacidades. Em outras palavras, figuração de luxo. Quem viu Celebridade sabe o poder de Deborah Evelyn em um bom papel (ela era a mãe de Bruno Gagliasso, lembram?). Pois em A Dona, o personagem dela, acho que é Lyris o nome, seis meses de novela e eu nem guardei, para vocês verem, ficou relegada a comer bolo de limão e transar com o entregador (nada contra).
Natália do Vale deve ser a mulher mais hidratada do Brasil de tanto suco que tomou sentada no sofá ao lado de Rosamaria Murtinho. Pelo menos agora, no finzinho, sua personagem conseguiu largar o marido mau caráter e engatar um romance com o boy magia da computação. Rosane Gofmann nem vou falar nada, merecia muito mais. Era melhor ter trazido a Tadinha de Por Amor de volta, que nem fizeram outras vezes com o Jamanta e a Dona Armênia.
Enfim…
Entre erros e acertos, salvaram-se todos. Gostaria de terminar esse texto dizendo, “Fica, vai ter bolo”, mas bola para frente. Walcyr Carrasco volta em breve às telas com Verdades Secretas 2 e agora, nesta segunda-feira (25/11), estreia a nova novela das nove. Que venha Amor de Mãe.
Agora vamos nos conhecer um pouquinho melhor. Não sei se vocês sabem, mas eu fui criado num convento…