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Musical Elza traz retrato da dor e da redenção

Não se trata, porém, de mais um espetáculo biográfico – graças ao bem tramado roteiro de Vinicius Calderoni

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Elza Soares
1 de 1 Elza Soares - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Não foi em apenas uma, duas ou três vezes que Elza Soares precisou esconder as lágrimas – foram inúmeras: quando o estômago urrava de fome, quando seu Mané Garrincha se foi e virou passarinho, ou quando seu único filho, Garrinchinha, morreu aos 9 anos no momento em que pretendia visitar o túmulo do pai.

Mas, quanto mais pedras pipocavam no caminho, mais Elza erguia a cabeça, temendo perder a postura de vencedora. “Essa mulher batalhadora, que jamais se entregou, foi nossa inspiração”, comenta Larissa Luz, cantora e atriz, uma das sete protagonistas de Elza, musical que estreia, nesta quinta-feira (18/10), no Sesc Pinheiros.

Não se trata, porém, de mais um espetáculo biográfico – graças ao bem tramado roteiro de Vinicius Calderoni, o musical é um grande caleidoscópio, em que a trajetória de Elza não segue uma ordem cronológica, mas temática. É a mulher pobre, a negra, a cantora, a esposa, a mãe, a artista, enfim, que enfrenta o tempo e se renova. Para isso, a produtora Andrea Alves, idealizadora do projeto, e Calderoni fizeram a aposta certa: não haveria apenas Larissa no papel de Elza, mas também outras seis atrizes (Janamô, Júlia Dias, Késia Estácio, Khrystal, Laís Lacôrte e Verônica Bonfim). Ainda mais radical, decidiram também que não haveria nenhum intérprete masculino, nem na banda.

“Era fundamental fugir do caráter episódico e estritamente realista e focar na dimensão mítica da existência de Elza e ter mais atrizes era a opção perfeita para esse propósito”, conta Calderoni. “Era preciso também ter a sensação de que o espetáculo deveria dar voz à mulher negra brasileira sem distrações ou interposições como intérpretes masculinos.”

No comando, outra mulher, Duda Maia, que já trabalhara com Andrea Alves em dois outros maravilhosos projetos, Gonzagão (preparação corporal) e Auê (direção). Segundo ela, distribuir o papel de Elza entre as sete atrizes possibilita alinhar sua biografia e transformar isso em teatro. “É uma fala política, feminina. E, por meio da história de Elza, mostramos a trajetória de outras mulheres, famosas ou não, que sofreram como ela”, diz Duda.

De fato, aos 81 anos (ou 88, há controvérsias), Elza veste cicatrizes como estigmas – menina pobre, foi obrigada a se casar cedo e, em casa, sofria violência sexual. Teve o primeiro filho aos 12 anos e, para sustentá-lo, decidiu participar de um programa de calouros na rádio, comandado por Ary Barroso, autor de Aquarela do Brasil. A cena é reproduzida com emocionante exatidão no musical: “De que planeta você veio, minha filha?”, perguntou Barroso, ao ver aquela garota desmilinguida, que não pesava mais que 40 kg . “Do planeta Fome, seu Ary”, disparou Elza.

Aos poucos, mais que uma arte, a música tornou-se para ela uma energia, uma ferramenta para mudar seu conturbado mundo. Desde então, as canções de Elza Soares traduzem, nas entrelinhas, a desesperada necessidade humana de colocar ordem no caos, para dar sentido a um universo violento, por vezes irracional.

Em cena, Larissa impressiona pela forma perfeita como personifica Elza, trazendo uma economia generalizada de gestos que se confronta com o instrumento maravilhoso que é sua voz. Tanto em Larissa como em Elza, não há murmúrio – o som rasgado tem um encantamento mágico, o som melodioso de um trompete, urgente, de vogais esganiçadas e consoantes estraçalhadas, e de onde jamais brotam sílabas contidas.

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