Espetáculo com Jesus transexual volta a São Paulo sob protestos
A peça foi notícia nas últimas semanas após um juiz de Jundiaí determinar a proibição da apresentação na unidade do Sesc na cidade
atualizado
Compartilhar notícia
“Ridículo”, diz uma internauta. “Desrespeito com a religião alheia.” Essas são algumas das críticas, publicáveis, encontradas nas redes sociais sobre a realização da peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, que volta a São Paulo nesta quarta-feira (27/9), e na quinta (28), no Sesc Santo Amaro.
A peça foi notícia nas últimas semanas após um juiz de Jundiaí determinar a proibição da apresentação na unidade do Sesc na cidade, que seria em 15 de setembro, com base num processo movido por uma moradora. Na decisão, o juiz afirmou que a peça era “atentatória à dignidade da fé cristã” e ofenderia um grande número de pessoas, por trazer Jesus Cristo reencarnado como uma mulher transexual.
“Apesar de saber que a peça pode causar opiniões contrárias, a gente nunca achou que seria alvo de censura”, afirma ao Estado a diretora do espetáculo, Natalia Mallo, que lembra que o Estado é laico e critica a decisão. “Ficamos tristes de ver a lei aplicada daquela forma, baseada em opinião pessoal.”Proibições
A peça já seguiu para Porto Alegre, onde dois juízes negaram pedidos de proibição do espetáculo, e agora volta a São Paulo, onde já havia sido apresentada. “Antes de toda a polêmica, já havia sido apresentada 70 vezes”, diz Mallo.
Depois da proibição em Jundiaí, Natalia afirma ter sofrido ataques virtuais, além de ter tido os pneus do carro furados. “Recebemos ameaças horríveis, de morte e tortura, tudo em nome de Deus”, desabafa. “É interessante que a peça fala justamente do uso da mensagem cristã para excluir quem quer que seja, quando ela deveria ser de inclusão e solidariedade.”
Adaptação
A peça é uma versão do texto escrito pela dramaturga escocesa – e transexual – Jo Clifford. Na adaptação brasileira, a atriz Renata Carvalho assume o monólogo. Ela também recebe ameaças, mas diz já estar “acostumada”. “Sou uma pessoa travesti, que já conhece essa violência e ódio”, afirma. “A Natalia se expôs mais agora e começaram a atacá-la. Está sofrendo transfobia mesmo sendo cisgênero.”
Para Renata, o maior problema dos que criticam o espetáculo é a falta de informação. “As pessoas não querem conhecer ou dialogar, é algo estrutural”, diz a atriz, que lembra que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, de acordo com levantamentos como o do Grupo Gay da Bahia.
“Seria bom se as pessoas se dispusessem a assistir, para depois discutir e colocar suas questões”, afirma Natalia. Junto com Renata, ela participa na sexta-feira (29), de um debate no próprio Sesc Santo Amaro.
Apesar das ameaças, protestos e processos, O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu segue a sua turnê pelo Brasil, sem alterações. Ao Estado, a assessoria do Sesc confirmou que mantém normalmente as próximas datas do espetáculo em suas unidades. Além da versão brasileira, Natália Mallo estreia em outubro uma versão em espanhol, que passará pelo Uruguai e pela Argentina.