Dedé Santana sobre Palhaços: “No Brasil, não se respeitam os idosos”
Ator conta que decidiu realizar a peça sobre um artista em fim de carreira por conta da forma como pessoas mais velhas são tratadas no país
atualizado
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Pouca gente sabe, mas Dedé Santana, um dos humoristas mais queridos e atuantes do país, foi pioneiro em Brasília, quando aqui chegou em 1956, vindo de Niterói (RJ). Tirou onda de chofer de táxi na praça e artista de circo, mas encostou a lona para montar uma boate na antiga Cidade Livre (Núcleo Bandeirante), a Bossa Nova. Lá, entre um drinque e outro, fazia um número artístico com o irmão Dino Santana (1940-2010).
“Um dia, o pessoal da Rádio Nacional me viu e me chamou para fazer um programa na emissora, às 10h, todo domingo. Depois, chegou a televisão que eu inaugurei. Eu fui um dos primeiros artistas a aparecer no Canal 6, a TV Brasília”, lembra, orgulhoso, o comediante, protagonista, segundo ele, da primeira peça montada na cidade, num extinto teatro da W3 Sul. “Eu mesmo escrevi. Se chamava ‘Cabral a JK’. Era uma mistura de musical com outras coisas e contava com atores e músicos da cidade”, recorda.
Em Brasília desde o dia 25 de janeiro, com a peça Palhaços – montagem de texto escrito em 1974 pelo paulista Timochenko Wehbi –, o comediante, que nasceu em um circo, reviveu com grande emoção esses dias de primórdios na nova capital do país, ao ser convidado para fazer uma ponta num filme gravado em um circo de Águas Claras.“Você acredita que o tal circo era o meu? Eu tinha vendido para uns parentes daqui há um tempo. O material mudou um pouco, mas era o meu circo… rapaz, foi uma emoção tão grande”, revelou ao Metrópoles. “Eu tenho um amor muito grande por Brasília, eu vi isso nascer”, confessa.
Comediante que revolucionou o humor no Brasil, como integrante de Os Trapalhões, quarteto presente no imaginário dos brasileiros desde os anos 1970, Dedé Santana mostra humildade e até certo constrangimento ao falar dessa responsabilidade de ser, aos 81 anos, ídolo de várias gerações.
Foi uma honra e muito emocionante para uma pessoa como eu, da minha geração, filho de pais separados e que tinha a televisão como babá eletrônica, fã do Dedé e dos Trapalhões, trabalhar com esse artista incrível.
Alexandre Borges, diretor de Palhaços
Eterno herói da garotada e dos marmanjos, foi eleito pelo mestre Chico Anysio como o maior “escada” da comédia brasileira (aquele comediante que prepara a piada para o outro), Dedé falou do desafio de fazer drama no teatro, o peso da idade, a lembrança dos Trapalhões, o pioneirismo de colocar o humor circense na televisão, reminiscências circenses e ídolos.
“O Oscarito foi o maior comediante de todos os tempos. Todo mundo, sem exceção, imitou o Oscarito”, opina.
O peso da idade
O que me entusiasmou muito a fazer essa peça foi a coragem desse homem (o diretor Alexandre Borges) de me convidar e me dirigir. Eu estive recentemente nos Estados Unidos e notei o respeito deles com as pessoas mais velhas. Aqui no Brasil, quando você faz 77, 79, as pessoas vão te deixado meio de lado. Os idosos são desprezados dentro de suas próprias casas. Eu li o texto e achei difícil de fazer, mas tomei coragem e hoje, aos 81 anos, estou aqui.
Fazer drama
É um papel tragicômico, uma hora ou outra tem uma coisa engraçada, mas é um drama pesado. Falei com o Alexandre que não tinha público de teatro, as pessoas me conhecem da televisão e do circo. Mas ele me convenceu e me incentivou. Estou bem feliz.
O amor e o carinho pelo público
Venho aqui não só pelo dinheiro, mas pelo público. Pode ter mil pessoas na plateia ou apenas 20. O trabalho não muda. Aprendi isso muito cedo com meu pai. Quando eu dou de cara com as pessoas no teatro, fico muito emocionado.
Precursor do humor circense na televisão
Tudo começou com a dupla Didi e Dedé, nada foi projetado como americano faz, certinho e tal. O Renato (Aragão) sempre escreveu muito bem humor, mas eu achava que faltava alguma coisa, daí eu sugeri empurrar o estilo circense para a televisão. Eu pegava todas as minhas coisas de circo, de palhaço, coisas do meu avô, do meu pai, do meu irmão (Dino) e do meu tio (Colé Santana) e a gente misturava com os textos. Deu certo!
Mussum e Zacarias
O Mussum entrou nos Trapalhões por uma necessidade. Nós tínhamos um programa de meia hora na televisão e iria aumentar para uma hora e o Didi achou que só com nós dois seria difícil. Foi quando eu disse: “vamos botar um ‘negão’ aí que vai dar certo”. Era justamente um amigo meu, o Mussum. Ele era o mestre dos improvisos e me foi apresentado pelo Jair Rodrigues. Eu e o Jair fazíamos um show junto e eu falava: “Jair, você é muito engraçado!”. E ele: “É porque você não conhece o Mussum”.
Eu o conheci e fizemos uma grande amizade, ele não saia da minha casa. Um dia, o Renato Aragão me aparece com um cara careca, baixinho e de terno, dizendo ser um tremendo comediante. Eu achei que era gozação porque o cara tinha uma voz de locutor de rádio, jeito de gerente de banco. Mas na hora de ensaiar, rapaz, tirei o chapéu…
O amor pelos amigos Trapalhões
As pessoas acham estranho eu dizer isso, mas eu sempre fui fã dos Trapalhões, um fã e um participante. Eu sabia manejá-los. A gente fugia muito do texto, o Mussum, por exemplo, era terrível… O Zacarias era o mais comportado.
Chico Anysio: O Garrincha e o Pelé do humor brasileiro
O Chico (Anysio) dizia que eu era o Garrincha do Pelé, porque, segundo ele, eu dava a bola para o Renato marcar o gol. Ele falava também que a gente ia fazer sucesso a vida inteira porque nascia criança todo o dia. O Chico era um gênio. Foi ele quem sugeriu que o Mussum, quando fazia a “Escolinha do Professor Raimundo” com ele, colocasse um “S” no final de cada palavra.
Reminiscências circenses
Essa peça realmente se mistura muito com a minha vida. Aos sete anos eu já era palhaço. Quando eu abro aquela mala (elemento cênico em cena de Os Palhaços) é uma emoção, pois são as fotos da minha mãe e da minha irmã. Tem muitas coisas no texto que remete a dor do artista, no seu dia a dia no picadeiro. Por exemplo, eu velei meu pai nos fundos do circo, enquanto fazia as pessoas rirem na frente.
Sangue alemão
As pessoas não acreditam, mas meu nome de batismo é Manfried. Isso porque eu tenho sangue alemão, por causa de um amigo íntimo do meu pai, que doou sangue quando eu nasci, pois a mamãe teve complicações no parto.