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Crítica: todo silêncio torna-se ensurdecedor em “Gritos”

Os dois atores da peça expressam emoções por meio de gestos sutis que se aproximam de coreografias de dança

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Renato Mangolin/Divulgação
GRITO processo © Renato Mangolin 056
1 de 1 GRITO processo © Renato Mangolin 056 - Foto: Renato Mangolin/Divulgação

Diferentemente do que possa parece, “Gritos” é um espetáculo bastante silencioso. André Curti e Artur Luanda Ribeiro, em nenhum momento, dialogam entre si ou lançam palavras no ar. Suas emoções são expressas por apenas por gestos sutis que se aproximam de coreografias de dança.

O único momento em que se ouve frases é quando uma voz anônima declama o poema “Louise”:

“Teu livro vai ficar na página 36
Tua mãe te esperando pro jantar
Teu último trago interrompido”

Nos primeiros 30 minutos, vemos um silencioso – e ensurdecedor – conflito entre um transsexual e sua mãe. O ator “veste” um boneco cadavérico moldado a partir de seu próprio corpo e se transforma, lentamente, em mulher.

Renato Mangolin/Divulgação

A mãe, uma cadeira dotada da cabeça de idosa também cadavérica, permanece estática – mas seu preconceito diante da filha torna-se gritante diante de seus gestos bruscos e agressivos.

O que é uma história de homofobia transforma-se também uma narrativa de libertação e auto-estima, que a filha acaba por encontrar fora de casa, sob um sensual vestido preto. Enquanto o ator traga um cigarro e olha para o seu rosto cadavérico transformado em mulher, o espectador se dá conta da melancolia de um final que nunca poderia ser feliz.

Narrativa fantástica
A segunda história, que tem cerca de 20 minutos, aborda a saga de um homem que sofre ao acordar um dia sem cabeça – essa parte do corpo se encontra no outro lado do muro, ganha vida sozinha e também sofre pela separação.

A narrativa ganha tons fantásticos que nos faz recordar a “Metamorfose”, de Franz Kafka, e o “Nariz”, de Nikolai Gogol. Há uma incompreensão no ar que diz menos respeito à impossibilidade da ocorrência do que pela solidão de ser diferente, de não conseguir expressar o que se sente com exatidão.

Renato Mangolin/Divulgação

Atualidade 
A última apresentação se aproxima de duas questões sociais fortemente debatida nos dias de hoje: ser mulher e ser islâmica. Em 25 minutos, acompanhamos o desenrolar da dor de uma mãe que vê seu filho nascer e morrer – enquanto o som de bombas explodindo tornam o ambiente ainda mais sombrio.

Trajando um típico hijab preto e uma máscara que simula um grito pavoroso, a mulher corre dos inúmeros “muros” que surgem e a rodeiam – uma clara analogia à polêmica ideia de Donald Trump. Mas, no final das contas, ela não consegue escapar, sendo carregada por desconhecidos para fora do palco.

É uma metáfora perfeita da vida que não tem lugar na existência – a ponto de lutar pela invisibilidade, para que ao menos seja deixada em paz e possa encontrar felicidade em sua solidão. A cenografia e a iluminação também viram protagonistas da história e parecem forjar sentimentos próprios nos olhos do espectador.

Renato Mangolin/Divulgação

Ao final, o corpo do filho é revelado completamente desfeito. E é montado pelos dois atores parte por parte, lentamente. Como uma redenção ao público que está assistindo ao espetáculo – não à personagem, à mulher, à islâmica que desapareceu na escuridão momentos antes e que nunca mais voltou.

“Gritos”
De 8/2 (quarta) até 4/3 (sábado), às 20h — dia 5/3 (domingo), às 17h e 20h. No Centro Cultural Banco do Brasil (Setor de Clubes Esportivos Sul, Trecho 2; 3108-7630). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). À venda na bilheteria do CCBB e no site Up Ingressos. Não recomendado para menores de 14 anos.

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