Crítica: “O Grande Sucesso” reflete sobre a arte do ator
Com Alexandre Nero à frente do elenco, espetáculo inverte o jogo cênico e propõe uma crônica de bastidores de uma trupe em decadência
atualizado
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Alexandre Nero é, hoje, um dos atores brasileiros de carreira mais sólida dentre a sua geração. Depois de acumular uma incontestável trajetória no teatro, na TV e na música, Nero resolveu refletir sobre o sucesso, os limites desse reconhecimento e a espinhosa relação entre atores e seu ofício. “O Grande Sucesso” zomba do próprio título e apresenta ao público uma trupe que não está tão em voga assim.
Atores coadjuvantes de um espetáculo confuso e interminável, Nero e seus amigos assistem a encenação da coxia, à espera da deixa para entrar em cena. Esta inversão do jogo cênico, por sinal, é um dos principais trunfos da montagem. A peça se passa nos bastidores, enquanto os atores aguardam para subir no palco. (Quando o fazem, sempre de supetão, assumem uma posição e expressão facial hilárias, como se caíssem em um abismo).
Nesse espaço etéreo e mágico da coxia, vemos o ator em sua carpintaria diária. Aquecer o corpo, repassar cada movimento, relembrar as falas, posicionar-se nas marcas, entrar naquele estágio de entrega corporal que antecede o momento de pisar no tablado. Um ator define a coxia como o não-lugar, o limbo. Entre figurinos em desalinho, fios elétricos e escadas, instrumentos musicais atravessados no caminho e até mesmo no desfile apressado do contra-regras, nos é permitido entrar nesse útero, normalmente invisível, e acompanhar de perto a criação teatral.Mais do que a encarnação do divino, o ator é revelado em sua crua realidade, em sua dimensão mais humana. Uma das músicas revela, logo no início da montagem, quem somos nós, espectadores, o espelho dos artistas. Nosso bronzeado, nossos sorrisos reluzentes no escuro, e, principalmente, nossa biografia todinha em branco, permite ao elenco fantasiar sobre a plateia. Para eles, nossas vidas são perfeitas e, do lado de cá, a grama é sempre mais verde. Melancólicos e sarcásticos, os atores da peça dentro da peça riem de si mesmos por não serem aprovados em nenhum edital, por jantarem macarrão instantâneo sozinhos, após os aplausos, e por flertarem constantemente com o fracasso.
O espetáculo não faz concessão a atalhos fáceis, nem tenta agradar a audiência. As músicas colocam o dedo na ferida, apontam o quanto somos ridículos em nossa busca pela aceitação e pela admiração alheia. As músicas, compostas pelo próprio elenco e executadas ao vivo, surgem suaves, mas se reviram em acordes dissonantes. As letras parecem poemas rebeldes que, de tão intensos, não se ajustam à métrica da composição. Dominando o canto e os instrumentos tão bem quanto a interpretação, a trupe cita múltiplas referências, que vão desde melodias de realejo a clássicos de Chico Buarque.
Apesar dos excessos, de tempo e filosofia verborrágica, O Grande Sucesso revela-se um exercício afiado, uma reflexão profunda e, ao mesmo tempo, despretensiosa, sobre a densidade do teatro e da vida. No fim das contas, essas duas experiências se resumem ao sonho que um dos personagens tem com Deus: o Todo-Poderoso revela que tudo começa, acontecem algumas coisas, e aí acaba. Simples assim.