Crítica: “As Canções de Odair José” é teatro sem medo de clichês

Nos radinhos de pilha de todas as cozinhas do Brasil, nas vitrolas de cabarés, onde quer que o povo ouvisse música, Odair José era rei. Desde que surgiu no showbizz, em 1970, o artista vendeu mais de dez milhões de discos, mas a classe média e a crítica especializada sempre torceram o nariz para suas baladas.

De uns anos para cá, de bastião do brega, ele ressurgiu como um ícone cult. Mesmo diante da glamourização, “Eu Vou Tirar Você Deste Lugar — As Canções de Odair José”, musical brasiliense dirigido pelo colunista do Metrópoles Sergio Maggio, reforça o lado kitsch e popular do repertório do artista, transformando a melancolia de suas composições em uma chanchada inocente.

A maioria dos musicais propõe um enfileiramento de canções ou encena no palco a biografia do homenageado. A produção, no entanto, segue outro caminho: cria uma dramaturgia original, com personagens cujas histórias são embaladas pelas composições de Odair. O recurso não é exatamente original, mas, na atual safra de espetáculos do gênero, é uma alternativa menos explorada.

Em cena, o tom é o da farsa, do drama folhetinesco, do vaudeville — gênero de entretenimento comum no início do século passado, que se caracteriza por um encadeamento sucessivo de números desconexos. Entrando e saindo do palco em ritmo frenético, a todo momento, o elenco emenda uma cena na outra e dá vida a arquétipos brasileiros. Dentre eles, uma cortesã decadente que volta à ativa, uma empregada que sonha ser artista e um pai conservador, cujo filho estuda direito mas quer mesmo é ser cantor de rock e cair no mundo. Os textos e canções tecem os encontros e desencontros desse caleidoscópio humano.

Afinados e entregues às canções, os atores acendem a esperança de uma cena musical na cidade, ainda que este filão ainda não seja muito explorado por aqui. Naturalmente, alguns deles têm mais domínio e extensão vocal que os outros, mas a trupe se empenha em ofertar performances contagiantes.

 

O destaque é a estrela Watusi, que, entre as décadas de 1970 e 1980, foi vedete de destaque internacional e estrelou espetáculos no Moulin Rouge, tradicional casa de shows parisiense. Com voz grave e rouca, ela possui presença hipnótica e seu corpo inteiro parece cantar em cena. Um deleite.

Gabriela Corrêa, na pele da empregada Susie, alterna-se entre a malícia e a doçura, enquanto arranca risos e desperta empatia imediata da plateia. No centro do palco, uma banda de primeira, composta por André Togni, Zé Krishna e Guilherme Gê, executa, ao vivo, as 20 músicas selecionadas para o espetáculo, sob a supervisão do próprio Odair José.

A cenografia, em tons de vermelho, com corações rubros pendendo do teto, mesas de inferninho e copos de dry martini, completa, sem medo de esbarrar na cafonice, a ambientação de rendez-vous. Ao flertar com um o exagero e o burlesco, o musical lança um holofote sobre um modo de fazer teatro que não tem medo de usar clichês a seu favor, de forma cômica. Afirma talentos locais e aponta uma trilha possível para outras produções musicais. Diverte e, a julgar pelo número de pessoas que cantarolam cada uma das canções, revela que há mais fãs de Odair José do que supunham nossos tolos preconceitos.

“Eu Vou Tirar Você Deste Lugar — As Canções de Odair José”
Dias  1º de abril (sábado), às 21h, e 2 (domingo), às 19h, no Teatro Paulo Gracindo (Gama, SIND QI 1). Entrada franca. Duração: 90 minutos. Não indicado para menores de 12 anos.