Sai o violão e entra a piada: comediantes chegam com força às lives
Depois do sucesso com músicos e bandas, as transmissões ao vivo são invadidas por humoristas
atualizado
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As lives são a grande novidade deste cenário de isolamento social – uma das medidas utilizadas para se evitar o contágio da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Inicialmente, cantores e bandas se aproveitaram da tecnologia para faturar durante a pandemia. Agora, com o prolongamento das orientações de se evitar as aglomerações, o humor começa a entrar na onda das transmissões ao vivo.
O mercado do audiovisual sofreu enorme revés, com novelas canceladas e filmes adiados. Produções inéditas apenas em plataformas de streaming, como Netflix, Amazon Prime Video e Globoplay. No entanto, com o caminho aberto pelas lives musicais, comediantes chegam a este mercado dispostos a também se manter na ativa.
Nomes gigantes do humor brasileiro atual, como Leandro Hassum, Fábio Porchat, Marco Luque, Maurício Meirelles, Paulo Vieira e Rafael Cortez decidiram apostar em velho formato com cara de novo: o stand-up em live. A primeira experiência, o festival Risadaria, foi ao ar na última terça-feira (05/05), pelo YouTube.
Whindersson Nunes foi outro que se arriscou no mundo digital. Agora, Rafael Cortez criou o espetáculo Antivírus, o Show. Centrado na pandemia, o humorista faz um stand-up em live fugindo do lado ruim da doença. Todos os domingos, às 20h, nas redes sociais do humorista.
“Meu show é mais sobre o isolamento social do que sobre a Covid-19. Optei por temas que não façam chacota de nada realmente grave nessa quarentena. Estão de fora piadas que falem sobre falências, fome, hospitalizações, sofrimentos e mortes. Não acho de bom gosto brincar com isso”, avisa o humorista.
Assim, sempre aos domingos, às 20h, via Facebook e Instagram, Cortez fala sobre temas que todos, de certa maneira, estão vivendo: excesso de lives, saco cheio de ficar em casa, como manter os mais velhos quietos no lar, convivência com os filhos e cansaço mental. “A quem quiser relaxar da surra que tomamos todo dia, aos domingos tem o Antivírus,”, convida Cortez.
Novos formatos
Assim como os músicos precisaram se adaptar ao novo formato, humoristas também relatam desafios nas lives. No caso do stand-up, por exemplo, é complicado saber se as piadas funcionaram, já que não tem a gargalhada, a vaia ou o aplauso.
“Sabemos se uma piada funcionou ou não pelos termômetros à vista. Minha namorada transmitindo e rindo é a única referência presencial que ajuda. Quando ela não está, confio no texto pelos anos de experiência e depois monitoro as reações de emoticons”, revela.
Os humoristas também usam de práticas consagradas, apostando em textos utilizados em teatros e bares brasil afora. O ritmo e a dinâmica da voz, assim como o tempo da apresentação – afinal, aquela pausa para respirar enquanto a platéia gargalha não existe.
“Nas lives, obviamente não se ouve nada, e noto, assistindo o que fiz depois, que minha tendência é a de tapar esses buracos com mais falinhas, múrmuros ou até a repetição do que acabei de falar. Não fazer isso é minha meta sempre, complementa Cortez.
Humor e política
A comédia é sempre uma forma de fazer rir, mas também possui a característica de criticar poderosos e tocar em algumas feridas. Nas lives da quarentena, o material então é farto, vista as constantes crises entre os poderes da República.
Apesar de comentários aqui e ali, Rafael Cortez, por exemplo, evitar aborda explicitamente o tema no espetáculo, mas como cidadão mostra seus questionamentos.
“Nada da pandemia política é engraçada hoje. Pelo contrário. Estamos num momento triste, muito triste, onde todos temos de lidar com um problema de natureza maior ao lado de todo o planeta. Interesses pessoais, egoísmos, desapego aos cidadãos e suas vidas – e muita falta de noção – fazem de alguns dos políticos brasileiros inimigos do amanhã. Querem sair do isolamento a qualquer custo para salvar bolsos e evitar crises econômicas maiores, mas sabem que isso custará uma infinidade de vidas e não nos salvará da crise financeira em si. Ela já está aqui, e vai ficar ainda mais forte. Resta saber se trará na conta muito mais mortos ou não”, critica.
Sobre evitar falar dos aspectos da doença, o comediante é ainda mais enfático: “Desemprego e fome não tem graça para quem está sem dinheiro e não tem o que comer. Não se trata de puritanismo e politicamente correto agora: se trata apenas de sensibilidade e respeito. Pelo menos é como eu penso e lido”, conclui.