Sabores e ritmos de Ceilândia: o reduto nordestino da capital federal
Quase metade dos moradores da região administrativa vieram do Piauí, Maranhão, Ceará e da Bahia
atualizado
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Todos os ritmos, sabores e sotaques da Região Nordeste resistem, mesmo a milhares de quilômetros, no Distrito Federal. Há 47 anos, pessoas vindas de lugares como Paraíba (PB), Maranhão (MA) e Ceará (CE) instalaram-se em Ceilândia e fizeram da cidade refúgio para matar a saudade da terra natal de muitos imigrantes radicados no Distrito Federal.
Dos mais de 489 mil habitantes, de acordo com a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios do DF (PDAD) 2016/2017, cerca de 48,33% desses moradores são do Nordeste – em especial do Piauí, Maranhão, Ceará e Bahia. Dois espaços, em particular, servem como os principais pontos de encontros para os “nordestinos do DF”: a Feira Central da Ceilândia e a Casa do Cantador.
Na feira local, temperos, doce de leite coalhado, rapadura e muitos outros ingredientes são facilmente encontrados. O espaço abriga, também, restaurantes que servem pratos típicos da região, como moqueca, vatapá, buchada de bode, acarajé, sarapatel, sururu e caldo de mocotó. Na Casa do Cantador, quem reina é a rica cultura nordestina: literatura de cordel junta-se a festas regadas a muita dança ao som de ritmos como xote, arrasta-pé, baião e xaxado.
Por todo esse histórico, o deputado distrital Agaciel Maia (PR) propôs um projeto de lei para transformar Ceilândia na “Capital da Cultura Nordestina no âmbito do Distrito Federal”. De acordo com o texto, apesar de Brasília ter sido construída por brasileiros oriundos de todos os estados, é importante reconhecer o “trabalho, a força e a determinação dos nordestinos”.
O legado de Gonzagão
Moradores de Ceilândia, o sanfoneiro Luiz Gonzaga da Rocha, 62 anos, e o cantor e tocador de triângulo Luiz Gonzaga Souza, 65, têm mais do que o nome de batismo em homenagem ao Rei do Baião em comum. Os dois fazem parte da Associação de Forrozeiros do DF e espalham um dos mais característicos ritmos do Nordeste pelo nosso quadradinho.
O sanfoneiro, que veio de Sumé, na Paraíba, afirma ter orgulho de poder dar continuidade aos costumes aprendidos, ainda criança, com os pais. “Cheguei aqui em 1979 e, desde então, nunca precisei buscar fora lembranças de onde nasci. A Ceilândia é nordestina e acolhe bem a todos”, ressalta o instrumentista.
Luiz Gonzaga da Rocha também não abre mão de se deliciar com um sarapatel – prato típico preparado com tripas e outras vísceras de porco, além de sangue coalhado – do Rei do Mocotó, barraca localizada na Feira Central de Ceilândia. “Venho aqui pelo menos três vezes por semana. Como buchada de bode, carne de sol, tomo caldo de mocotó. Tirando a falta da família, me sinto em casa”, completa.
Já Luiz Gonzaga Souza partiu de Monteiro, município paraibano, quando a então “nova capital” ainda engatinhava, em 1962. O jovem acompanhou a família no sonho de uma vida melhor. Estabeleceu-se em Ceilândia, de onde nunca mais saiu. De acordo com o cantor, a melhor parte é compartilhar afinidades com outros tantos conterrâneos. “Por onde você for, encontra um nordestino”, avisa.
Sem estereótipos
A dupla de repentistas Chico de Assis e João Santana também se empenha para disseminar expressões artísticas como o repente, a viola nordestina, a poesia e a literatura de cordel. Com o raciocínio rápido, exigência do improviso, os violeiros abordam em seus versos temas atuais, como a corrupção que assola a política brasileira.
Ao som do baião das violas nordestinas, interagimos com a plateia e intercalamos o improviso com a declamação de poemas matutos
Chico de Assis
Não espere dos cantadores as conhecidas vestimentas atribuídas frequentemente aos repentistas. “Nós não nos preocupamos em usar chapéu de couro e outros trajes considerados típicos. Pelo contrário, tentamos quebrar esse paradigma e estereótipos do nosso trabalho. Para nós, o mais importante é o conteúdo e cultura”, salienta Chico de Assis, nascido em Alexandria, na Paraíba, e radicado em Brasília desde 1994.
Costumes que atravessam gerações
Apesar de ter apenas 19 anos, Samuel Gomes é sanfoneiro há 10. O jovem também integra a Associação de Forrozeiros do DF e faz questão de mostrar às novas gerações as belezas da música regional.
Para mim, a influência nordestina em Ceilândia é muito importante e permite que os jovens conheçam essa cultura rica e, muitas vezes, pouco divulgada
Samuel Gomes
Filho dos pernambucanos Maria Telma, de Serra Talhada, e Sinézio Cordeiro, de Custódia, Samuel tomou gosto pela sanfona ao ver e ouvir o pai, no palco com o conhecido Trio do Nordeste, de posse do instrumento. “Ele sempre foi e continuará sendo a minha maior inspiração”, derreteu-se o ceilandense.
Inspirado pelos veteranos, uniu-se a dois outros músicos e decidiu dar continuidade à tradição com o Trio Sanfona Nova. Além de Samuel, o grupo conta com o paraibano João Batista Junior, 27, na zabumba, e Ronildo Cardoso, 33, no comando dos vocais e do triângulo.
Nascido em Serra Branca, na Paraíba, o zabumbeiro Junior chegou a Brasília há quatro anos em busca de mais oportunidades. Deixou em sua cidade de origem pai, mãe e irmãos, mas foi acolhido por muitos parentes que já haviam percorrido o mesmo caminho. “O nosso trio é jovem e o público também. É bom ver como os admiradores do xote e do pé-de-serra estão sempre se renovando”, conclui.
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